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Os clamores pela proibição da caça esportiva em toda a África aumentaram desde que um leão no Zimbábue, chamado de Cecil, foi morto em julho por um dentista americano | Eric Mille/Reuters
Os clamores pela proibição da caça esportiva em toda a África aumentaram desde que um leão no Zimbábue, chamado de Cecil, foi morto em julho por um dentista americano| Foto: Eric Mille/Reuters

Leões passaram a surgir furtivamente das matas para arrebatar bodes no meio da aldeia. Elefantes também se tornaram visitantes frequentes, devorando o feijão, o milho e as melancias cultivados pelos agricultores.

Desde que Botsuana proibiu a caça esportiva, há dois anos, comunidades remotas como Sankuyo estão à mercê de um número crescente de animais selvagens. A proibição também levou a uma queda acentuada na renda, já que os aldeões usavam o dinheiro dos caçadores para construir casas e banheiros e dar pensão aos idosos.

Os clamores pela proibição da caça esportiva em toda a África aumentaram desde que um leão no Zimbábue, chamado de Cecil por pesquisadores que o rastreavam, foi morto em julho por um dentista americano. Com isso, várias companhias aéreas pararam de transportar troféus de caça. No entanto, muitas comunidades rurais estão implorando pela retomada da caça.

  • Aldeões em Sankuyo.
  • Leão Cicil.
  • Willian Moalosi, ex-guia.

“Antes, quando havia caça, nós queríamos proteger esses animais porque podíamos ganhar alguma coisa com eles”, disse Jimmy Baitsholedi Ntema, aldeão na faixa dos 60 anos. “Agora não podemos mais tirar proveito deles. Os elefantes e búfalos destroem nossas plantações de dia. À noite, os leões entram em nossas aldeias.”

No início de 2014, Botsuana se tornou uma das poucas nações africanas com vida selvagem abundante a dar fim à caça esportiva, em grande parte devido às iniciativas conservacionistas no sul da África. O presidente Seretse Khama Ian Khama afirmou que a caça não era mais compatível com a conservação da vida selvagem e que devia haver mais incentivos ao turismo meramente fotográfico. A decisão foi saudada por grupos de defesa dos animais no Ocidente.

Botsuana, porém, é uma exceção honrosa. Autoridades e conservacionistas na maioria dos países africanos são a favor da caça esportiva, incluindo Zâmbia, que está recuando após uma breve suspensão da atividade. “A caça existe aqui desde épocas remotas”, disse Jean Kapata, ministra do Turismo.

Recentemente, Zâmbia suspendeu uma proibição decretada há dois anos à caça de leopardos, e a caça de leões deve ser retomada no próximo ano. Em 2013, o país reprimiu a caça esportiva e impôs uma proibição total à caça de grandes felinos, igualmente a fim de substituir essas práticas pelo turismo fotográfico. Isso, porém, gerou pouca renda, afirmou Kapata, ao passo que leões passaram a atacar cada vez mais os rebanhos. Durante a proibição, um membro do conselho local foi morto por um leão, comentou ela.

“Na África, um ser humano é mais importante que um animal”, declarou Kapata. “Não sei se isso é diferente no mundo ocidental”, acrescentou, ecoando uma queixa em partes da África de que o Ocidente parece se importar mais com o bem-estar de um leão do que com os próprios africanos.

O recuo de Zâmbia indica o papel central que a caça esportiva ocupa no manejo da vida selvagem no sul da África. Essa atividade de lazer ocorre principalmente em terras comunitárias cujas aldeias devem receber uma parte das taxas pagas pelos caçadores.

Sankuyo, aldeia com 700 habitantes, fica no leste do delta do Okavango, no norte de Botsuana. Em 2010 ela ganhou quase US$ 600 mil pelos 120 animais —incluindo 22 elefantes, 55 impalas e nove búfalos— que ofereceu aos caçadores naquele ano, relatou Brian Child, professor-adjunto na Universidade da Flórida, que está à frente de um estudo sobre o impacto da proibição.

Entre os benefícios para a comunidade, 20 lares escolhidos por sorteio ganharam banheiros externos. Piezômetros foram instalados em pátios levando água corrente para 40 famílias. Gokgathang Timex Moalosi, 55, chefe de Sankuyo, disse: “Nós dissemos a eles que aquele leão ou elefante foi quem pagou pelos banheiros”.

Segundo especialistas, quando a caça esportiva beneficia comunidades, as pessoas ficam mais motivadas a proteger a fauna. Por outro lado, na maioria dos lugares sem a caça esportiva, os animais selvagens são considerados um incômodo ou um perigo, e os moradores são mais propensos a caçá-los para se alimentar ou a matá-los para defender suas casas e plantações.

Child disse que a caça esportiva não beneficiou muitas comunidades devido à má gestão e à corrupção. Porém, nos países onde a atividade funcionava bem —Botsuana (até a proibição), Namíbia e Zimbábue (até seu colapso econômico na década passada)—, as metas de gerar renda e proteger animais selvagens haviam sido alcançadas. “Na realidade, isso trouxe uma diminuição no número de animais mortos”, disse Child.

Os leões, que costumavam se banquetear com carne de elefantes deixados para trás por caçadores, estão cada vez mais entrando em aldeias à procura de animais criados para subsistência. “Está havendo um aumento exponencial de conflitos entre animais e seres humanos”, disse Israel Khura Nato, diretor da unidade de controle do Departamento de Vida Selvagem em Botsuana.

Segundo o departamento, tais conflitos em todo o país aumentaram de 4.361 em 2012 para 6.770 em 2014. Os incidentes devido à caça ilícita aumentaram de 309 em 2012 para 323 em 2014.

Galeyo Kobamelo, 37, contou que desde a proibição perdeu todos os 30 bodes na propriedade de sua família para leões e hienas. Elefantes destruíram suas plantações de sorgo e milho. A família não conta mais com a carne grátis deixada pelos caçadores e sua mãe parou de receber a pensão.

Moalosi, o chefe de Sankuyo, disse que espera recuperar alguns benefícios depois que sua aldeia fizer uma transição bem-sucedida para o turismo fotográfico.

Na opinião de especialistas, porém, turistas contemplativos circulam mais em áreas com grande densidade de vida selvagem, como a Reserva Moremi no delta do Okavango, a oeste daqui. Raramente eles se aventuram por áreas periféricas como Sankuyo, justamente as que atraem caçadores.

Em Sankuyo, William Moalosi está entre as dezenas de pessoas desempregadas devido à proibição. Ele trabalhava como rastreador e motorista e ganhava cerca de US$ 100 por mês.

Aldeões identificaram Moalosi, 40, como o homem que matou uma leoa no mês passado. O animal havia invadido uma aldeia que tinha bodes. Moalosi, porém, disse que nada sabe sobre isso, o que provocou sorrisos coniventes de seus vizinhos. “Nós vivemos com medo desde que leões e leopardos passaram a vir à nossa aldeia”, disse. “Elefantes cruzam a aldeia para ir ao outro lado da mata. Os cães latem para eles e nós corremos para nos esconder em casa.”

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