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Wilfredo de Jesús, pastor da Igreja Aliança Vida Nova; segundo ele, há 2.000 anos o cristianismo desafia a cultura vigente | Joshua Lott/The New York Times
Wilfredo de Jesús, pastor da Igreja Aliança Vida Nova; segundo ele, há 2.000 anos o cristianismo desafia a cultura vigente| Foto: Joshua Lott/The New York Times

O tom do culto foi determinado logo em seu início, quando numa prece o pastor avisou que aquele era “um dia sombrio”. No sermão, um salmo de lamentação foi comentado. Antes, o pastor lera uma nota anunciando que os decanos e funcionários da igreja estavam “profundamente tristes”.

No centro de Chicago, como em várias outras cidades dos EUA, o domingo de 28 de junho foi de festa, já que a celebração anual do orgulho gay acontecia dois dias após a Suprema Corte legalizar o casamento homossexual em todo o território norte-americano.

No entanto, na Igreja Bíblica Wheaton, congregação evangélica suburbana que atrai cerca de 2.600 fiéis em cinco cultos aos fins de semana, o dia era de tristeza.

“Vim com uma grande sensação de pesar, por causa do que aconteceu na sexta”, disse o pregador Lon Allison aos fiéis, antes de ler o comunicado em que declarava: “Não podemos aceitar ou aderir a qualquer redefinição legal, política ou cultural do matrimônio bíblico, nem vamos realizar ou endossar cerimônias [com pessoas] do mesmo sexo.”

A mudança na opinião pública, e agora na lei, deixou os evangélicos, que compõem cerca de um quarto da população dos EUA, em uma posição desconfortável.

Fora de sintonia com a sociedade e muitas vezes ridicularizados por suas supostas posições, muitos desses religiosos se sentem sitiados ao tentarem vivenciar os ensinamentos bíblicos de acordo com suas convicções.

Vários disseram temer que um cenário de mudança jurídica leve a restrições à liberdade religiosa.

No entanto, os desafios não são apenas externos. Muitas igrejas evangélicas também enfrentam divisões internas. Especialmente nos grandes centros urbanos, os pastores relatam que há cada vez mais homossexuais que optam por frequentar congregações evangélicas. Além disso, heterossexuais passaram a confrontar a posição das igrejas por terem parentes e amigos gays.

“Há um desejo crescente por parte de alguns, inclusive dentro da igreja, de combinar a fé cristã com a aceitação da prática homossexual”, admitiu a Igreja Bíblica Wheaton na sua declaração.

O resultado tem sido uma alteração no tom e na ênfase — mas não nos ensinamentos e nas políticas — de muitas igrejas.

Quase todas as denominações evangélicas se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, e muitas não permitem que gays e lésbicas ocupem posições de liderança, a menos que sejam celibatários.

Mas alguns pastores vêm abordando o assunto de forma contextualizada, enfatizando que todos são pecadores e que os cristãos devem amar e acolher a todos.

“Os evangélicos estão percebendo que têm uma visão minoritária dentro da cultura e que, nessa questão específica, perderam a vantagem de jogar em casa”, disse Ed Stetzer, diretor-executivo da empresa de opinião pública LifeWay Research. “Eles estão aprendendo a falar com graça e jovialidade, o que os evangélicos tendiam a não fazer quando a visão deles era majoritária.”

Várias igrejas evangélicas já mudaram de posição. É o caso da Igreja da Cidade, em San Francisco, que revogou a exigência de celibato para gays e lésbicas que desejem se afiliar. Já na Igreja Ponto da Graça, do Tennessee, agora os homossexuais podem assumir posições de liderança e receber o sacramento do matrimônio.

No entanto, mesmo numa época em que a maioria dos americanos —incluindo católicos e protestantes brancos — apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, apenas 27% dos evangélicos apoiam essa ideia, segundo o Centro de Pesquisas Pew.

“Não é porque é legal que significa que seja ético”, disse Wilfredo de Jesús, pastor da Igreja Aliança Nova Vida, megatemplo da Assembleia de Deus com quase 20 mil fiéis, na Grande Chicago. “Não vamos casar dois homens. Vai contra nossas crenças.”

Ele observou que, durante mais de 2.000 anos de história cristã, as igrejas muitas vezes entraram em desacordo com a cultura vigente.“Estamos preparados para ir para a cadeia ou o que vier a ocorrer, mas a igreja não pode mudar.”

Fa’Darryl Brown, 34, que é gay e frequenta uma filial da Vida Nova em Chicago, disse que o seu pastor descreveu a homossexualidade como pecado, mas que ele próprio só enxerga a questão como “algo sobre o que precisamos concordar em discordar. Não significa que eu não possa me sentar sob o ministério dele”.

Na igreja A Capela, de Libertyville (Illinois), cujos oito templos atraem cerca de 6.000 fiéis a cada fim de semana, o pastor Scott Chapman disse não apoiar o casamento entre homossexuais, mas admitiu que “temos um número significativo de pessoas em nossa igreja com esse estilo de vida”. “Queremos ser um lugar que ama a todos e é aberto a todo o mundo.”

Depois do culto de sábado à noite no local, o fiel Kevin Woodside, 51, disse que se sentiu desconfortável vendo o noticiário sobre a decisão da Suprema Corte e observando a irritação de alguns oponentes. “É difícil olhar para isso como uma reação cristã”, afirmou.

Na Igreja Bíblica Wheaton, Allison disse que, naquele domingo, ao ler a declaração que reiterava a oposição da sua igreja ao casamento homossexual, ele olhou para a sua congregação e intuiu que 5% a 10% dos presentes discordavam. “Não é um dia triste”, disse um fiel, que pediu para não ser identificado e que discordava do que um líder religioso pregava no salão ao lado. “É um dia feliz.”

Outro disse: “A corte tomou a decisão certa”.

Claudia Velazquez, 21, afirmou: “Não concordo com a legalização, mas respeito os seres humanos”. Ela acrescentou: “Afinal, [os homossexuais] também são uma criação de Deus.”

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