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Nos últimos dez anos, a Indonésia decidiu apagar o legado manchado do ditador Suharto, forçado a renunciar em 1998, e fundou uma das agências de combate à corrupção mais eficazes do mundo, a Comissão de Erradicação da Corrupção, conhecida como KPK.

Agora, a agência está envolvida num embate com a polícia e com o presidente Joko Widodo, e seu futuro se encontra ameaçado.

Com seus investigadores e promotores, a comissão construiu um histórico impressionante de combate à corrupção nos últimos anos. Centenas de funcionários públicos, políticos e empresários foram encarcerados desde 2003.

A comissão fez muitos inimigos e em muitos momentos precisou enfrentar tentativas que visavam enfraquece-la ou desmontá-la.

Mas nada representou um risco tão grande quanto os fatos mais recentes.

O presidente Joko desistiu do nome que tinha escolhido para chefiar a polícia nacional, Budi Gunawan, após semanas de críticas públicas motivadas pelo fato de Budi ter sido identificado pela KPK como suspeito numa investigação de pagamento de propinas de milhões de dólares.

Em seguida, o presidente nomeou para o cargo o chefe interino da polícia nacional, Badrodin Haiti, que muitos analistas em Jacarta também veem como tendo envolvimento com a corrupção.

Joko suspendeu temporariamente o presidente da KPK, Abraham Samad, e um de seus subordinados, o advogado de direitos humanos Bambang Widjojanto, porque a polícia os tinha citado como suspeitos em processos criminais distintos.

Joko foi eleito em 2014 com a promessa de fazer um governo honesto e eficiente em um dos países mais corruptos do Sudeste Asiático. Mas suas ações revelaram sua incapacidade de resistir às pressões exercidas pela elite no poder. Apesar da indignação dos eleitores e da mídia com a nomeação de Budi, Joko passou semanas indeciso sobre o que fazer.

O resultado tem sido um governo desatento e dúvidas crescentes quanto à competência do presidente e seu compromisso com as reformas. “Imagine o chefe da polícia nacional como suspeito”, falou Abraham Samad, quando ainda estava à frente da KPK.

O problema não se limita a uma única nomeação duvidosa. Na realidade, disse um diplomata sênior na Indonésia, “poucas instituições neste país não estão corrompidas de alto a baixo —a polícia, os tribunais, o Parlamento”. As tensões entre a KPK e a polícia estão evoluindo de modo perigoso. Numa iniciativa vista amplamente como retaliatória, a polícia prendeu Bambang e o acusou de ter forçado uma testemunha a prestar falso testemunho sob juramento. Isso teria acontecido em 2010, quando ele era advogado. Também foram feitas queixas criminais contra Abraham.

Alguns analistas dizem que as iniciativas legais, especialmente as tomadas contra Bambang, cuja reputação é de honestidade absoluta, parecem refletir uma intenção por parte da polícia e de seus aliados de destruir a agência anticorrupção. Comissários e seus assessores vêm sendo ameaçados de modo mais sistemático, disse Abraham, inclusive com ameaças de violência física. Em discurso transmitido pela televisão em 18 de fevereiro, Joko demonstrou pouca compreensão do que está em jogo quando pediu “harmonia” entre a polícia e a comissão.

Se a Indonésia quiser crescer economicamente no ritmo que Joko diz ser necessário para atender às necessidades de sua população, reduzir a corrupção no país é essencial. Funcionários da KPK dizem que as ações da comissão já devolveram milhões de dólares aos cofres públicos.

A organização Transparency International, que publica uma classificação anual de países com base na corrupção em seus setores públicos, diz que a Indonésia melhorou sua performance no “índice de percepção da corrupção” da organização, passando de 1,9 em 2003 para 34 em 2014 (quanto mais próximo de cem, mais o setor público é livre de corrupção). Mas a Indonésia ainda está na 107a posição dos 175 países que integram o ranking. A título de comparação, a China está no 100° lugar, e a Rússia, no 136°.

Os efeitos da corrupção transcendem os bilhões de dólares de dinheiro público perdidos com subornos e contas bancárias secretas. “Não existe país democrático sem certeza legal, e a ação da polícia, especialmente em questões de combate à corrupção, faz parte dessa certeza legal”, me disse Bambang antes de ser suspenso. Para ele, a corrupção é “uma das maiores inimigas da democracia”.

Transformar uma cultura é uma tarefa monumental, mas ela será dificultada se os beneficiários da corrupção conseguirem sabotar a reputação da KPK, atolar seus líderes em processos judiciais sem base, reduzir suas verbas ou eliminá-la por meio de medidas legislativas.

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