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A Fruta Feia vende hortifrútis de aparência irregular para reduzir o desperdício e beneficiar a economia; à esq., “limões feios” | Patricia de Melo Moreira/Agence France Presse — Getty Images
A Fruta Feia vende hortifrútis de aparência irregular para reduzir o desperdício e beneficiar a economia; à esq., “limões feios”| Foto: Patricia de Melo Moreira/Agence France Presse — Getty Images

Isabel Soares selecionou frutas e verduras com cuidado. Ficou com um maço de espinafre cujas folhas tinham amarelado, depois com tomates de casca danificada pelo sol e picadas de insetos. Finalmente, decidiu ficar com abobrinhas muito grandes e deformadas. Para ela, todos os produtos estavam perfeitos.

Numa época de dificuldades econômicas para muitos na União Europeia, onde o afã regulatório se estende até aos formatos, tamanhos e cores dos alimentos consumidos por seus cidadãos, Soares apostou em um mercado para frutas e legumes que burocratas governamentais, supermercados e outros varejistas consideram feios demais para ser vendidos a seus consumidores.

Há mais ou menos sete meses, Soares e alguns voluntários fundaram a cooperativa Fruta Feia.

A organização foi bem recebida pelos consumidores em dificuldades, aplaudida por setores indignados com o crescente desperdício de alimentos na Europa e representou um tapa na cara dos criadores das regras da União Europeia. Discretamente, subverteu as ideias de praxe sobre o que é belo —ou pelo menos comestível.

"As normas da UE se baseiam na ideia equivocada de que qualidade é aparência", disse Soares, 31, que antes trabalhava em Barcelona como consultora de energia renovável.

A Europa desperdiça 89 milhões de toneladas de alimentos por ano, segundo um estudo dos governos holandês e sueco, que conclamaram a UE a "reduzir o desperdício de alimentos causado pelo sistema de rotulagem".

Isabel Soares estima que um terço dos hortifrútis cultivados em Portugal é desperdiçado devido aos padrões definidos pelos supermercados e seus consumidores. Ela diz que o desperdício é também um exemplo marcante de intervenção regulatória equivocada por parte da União Europeia.

As regras alimentares da Europa fizeram crescer o sentimento anti-UE, especialmente no Reino Unido, onde os tabloides ridicularizam os burocratas de Bruxelas por supostamente tentarem proibir "bananas tortas" ou "pepinos curvos".

Seis anos atrás, a Comissão Europeia decidiu reduzir sua lista de regras para hortifrútis de 36 para dez. No caso de produtos como os tomates, que continuam na lista, a legislação europeia define exigências mínimas, como a de que os tomates cheguem "limpos, praticamente livres de matéria estranha visível" e com "aparência fresca".

A seguir, a lei os enquadra em três classes, das quais a mais baixa permite alguns defeitos. Mas os supermercados geralmente optam por uma categoria que permite apenas "um defeito pequeno no desenvolvimento e forma" dos tomates.

Isabel Soares disse que pode vender seus hortifrútis sem infringir a legislação da UE porque as regras europeias se aplicam apenas a produtos rotulados ou embalados, o que não é o caso dos que vão parar em suas caixas.

A cooperativa Fruta Feia tem uma lista de espera de mil consumidores e, desde sua criação, já vendeu 21 toneladas de alimentos em dois centros de distribuição em Lisboa. A associação tem 420 fregueses registrados. Eles pagam uma taxa de US$ 6,81 para se filiarem, mais o custo de sua caixa semanal de hortifrútis: US$ 4,77 por mais de três quilos de frutas e verduras.

Soares contou que, num primeiro momento, foi difícil persuadir agricultores a lhe venderem seus hortifrútis indesejados. "Acho que alguns desconfiavam que eu fosse uma fiscal sanitária disfarçada."

Agora, porém, ela recebe um abraço de Paulo Dias, pequeno produtor familiar de Cambaia, a 72 quilômetros de Lisboa, e fornecedor da Sonae, uma das maiores redes de supermercados de Portugal. Seu sítio tem 7,5 hectares.

De sua produção anual de 900 quilos de tomates, Dias disse que um quarto não atende aos padrões de qualidade da Sonae e seria jogado fora.

A Fruta Feia compra os tomates indesejados por metade do preço pelo qual os produtores o venderiam aos supermercados. Dias comentou: "Me sinto bem por saber que meus tomates não são desperdiçados e que pessoas com pouco dinheiro têm a oportunidade de comer um produto tão bom quanto o que comeriam se pudessem pagar os preços do supermercado."

O agricultor José Manuel Santos, da cidade de Mafra, estima que metade de sua safra de espinafre deste ano seria jogada fora porque as variações climáticas repentinas fizeram as folhas amarelarem.

"O mercado decidiu que espinafre tem que ser verde, então estou tendo que jogar fora espinafre da mesma qualidade", disse.

Num tempo de austeridade, quando o desemprego em Portugal chega a 15%, os preços baixos atraem consumidores à Fruta Feia, mas a maioria disse também que quer apoiar a agricultura local e reduzir o desperdício.

Quando os últimos fregueses estavam indo embora, Soares olhou para ver se ainda havia frutas nas caixas onde voluntários colocam alimentos que sobram, que os fregueses são incentivados a levar de graça. "Aqui, nada se desperdiça."

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