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A prisão de cinco tchetchenos por suspeita de envolvimento com a morte de Boris Nemtsov fez com que o foco da investigação se voltasse para o líder regional Ramzan Kadyrov (à esq.) | Sergey Ponomarev /The New York Times
A prisão de cinco tchetchenos por suspeita de envolvimento com a morte de Boris Nemtsov fez com que o foco da investigação se voltasse para o líder regional Ramzan Kadyrov (à esq.)| Foto: Sergey Ponomarev /The New York Times

Ramzan Kadyrov, o poderoso líder da Tchetchênia, está no centro das suspeitas relacionadas ao assassinato do político Boris Nemtsov, que era um crítico do presidente russo, Vladimir Putin.

Por isso, antes de um fim de semana agitado, que incluiu uma noitada num ginásio de luta livre, Kadyrov quis esclarecer a situação. “Sou completamente devotado a Vladimir Putin e disposto, até o final da minha vida, a resistir aos inimigos da Rússia”, escreveu no Instagram.

A questão não é tanto a lealdade de Kadyrov a Putin, seu padrinho político, mas se a barganha faustiana de Putin para conquistar a estabilidade na Tchetchênia, onde a Rússia travou duas guerras terríveis para esmagar os separatistas muçulmanos, deu origem a um déspota imprevisível.

Segundo críticos, foi Putin que permitiu que Kadyrov, 38, criasse a república islâmica que separatistas tchetchenos sonharam —apesar de ela ser inteiramente dependente de Moscou do ponto de vista financeiro e de a sharia (lei islâmica) ser aplicada de forma seletiva na região.

Agora, dizem esses críticos, Kadyrov pode estar buscando ampliar seu poder para muito além do norte do Cáucaso.

Diferentemente do que ocorre em outras regiões russas, Kadyrov controla suas próprias forças de segurança interna, conhecidas como “kadyrovtsy”.

O líder é conhecido por eliminar impiedosamente críticos dentro e fora da república.

Nemtsov havia chamado a atenção para os perigos desse arranjo.

“Não consigo entender o que Putin espera ao armar 20 mil ‘kadyrovtsy’ que se reuniram hoje no estádio em Grozni”, escreveu Nemtsov no Facebook em dezembro, depois de Kadyrov conduzir suas tropas em um desfile na capital tchetchena.

“O país está entrando em crise. Não há dinheiro suficiente para nada, inclusive o apoio às regiões. E o contrato tácito entre Putin e Kadyrov —dinheiro em troca de fidelidade— termina. E aonde vão os 20 mil ‘kadyrovtsy’? O que eles exigirão?”

Apesar de as autoridades não terem apresentado nenhuma prova de que Kadyrov, ou alguém próximo a ele, seja o mandante do assassinado de Nemtsov, os investigadores prenderam cinco suspeitos tchetchenos, incluindo Zaur Dadaev, ex-vice-comandante de um dos batalhões de segurança de Kadyrov.

Mesmo aliados de Nemtsov que acusam o Kremlin de responsabilidade pelo homicídio dizem que a investigação expôs uma perigosa divisão entre os chefes dos serviços de segurança em Moscou e o líder tchetcheno.

Há oito anos, Putin corrobora o férreo regime de Kadyrov enquanto aparentemente faz vista grossa a assassinatos, torturas e outras violações de direitos humanos na Tchetchênia.

Ao mesmo tempo, o Kremlin bancou um custoso esforço de reconstrução de Grozni, fazendo da capital tchetchena um reluzente oásis caucasiano, e permitiu que Kadyrov formasse sua bem armada milícia.

O resultado, como concordam admiradores e detratores, é uma persona política do tipo que a Rússia nunca viu: ao mesmo tempo guerreiro islâmico, nacionalista russo e apoiador irredutível de Putin —ao menos por enquanto.

Kadyrov tem sido associado a alguns dos mais brutais assassinatos políticos da Rússia, incluindo o da jornalista investigativa Anna Politkovskaya, em 2006, e da ativista de direitos humanos Natalya Estemirova, que foi sequestrada em 2009.

Dois dos rivais de Kadyrov na notória política tribal tchetchena foram eliminados em homicídios cometidos publicamente.

Ruslan Yamadayev foi alvejado em Moscou, em 2008, enquanto seu irmão Sulim foi morto em 2009, em Dubai. As autoridades desse emirado emitiram um mandado de prisão contra Adam Delimkhanov, assessor de Kadyrov.

Um ex-guarda-costas de Kadyrov, Umar Israilov, que havia documentado abusos cometidos pelo dirigente, foi morto em 2009, em Viena.

Kadyrov sempre rejeitou essas acusações e agiu com o mesmo desdém quando questionado sobre Nemtsov, um ativista pró-democracia e crítico de Putin que foi morto a tiros sobre uma ponte próxima às muralhas do Kremlin.

“Esse é um caso para o Comitê de Investigação, para o Ministério Público, para o Serviço Federal de Segurança (FSB)”, disse ele.

“Não sei. Sou chefe da República da Tchetchênia. Não sou um moscovita.”

A Tchetchênia desfruta de uma relativa calma nos últimos anos, resultado do regime autoritário mantido por Kadyrov e da repressão que leva muitos jihadistas a deixarem a região.

Retratos de Putin são visíveis em toda a reconstruída capital regional, muitas vezes ao lado das fotos do pai de Kadyrov, Akhmad, que se tornou presidente da Tchetchênia em 2003 e foi assassinado em 2004.

Islam Saidayev, funcionário do governo tchetcheno que trabalha com jovens para tentar afastá-los do extremismo islâmico, rejeitou a ideia de que os tchetchenos mataram Nemtsov.

“A Federação Russa é um grande trem”, disse ele.

“Talvez esteja indo na direção errada, mas ninguém pode pará-la. Nemtsov estava nos trilhos e tentou impedi-la. Claro, o trem passou por cima dele.”

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