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Abrigo temporário em Erfurt; cidade deve receber 4.000 migrantes até o final do ano. | Gordon Welters/The New York Times
Abrigo temporário em Erfurt; cidade deve receber 4.000 migrantes até o final do ano.| Foto: Gordon Welters/The New York Times

O clima da reunião estava mudando. Autoridades municipais haviam acabado de dizer a moradores que um grupo de migrantes, principalmente sírios, havia sido alojado no bairro na noite anterior.

Uma idosa se aproximou do microfone: “Em seguida vocês vão construir uma mesquita?”, quis saber. Uma professora perguntou: “Como vamos proteger nossas crianças?”. Um jovem nem se preocupou em fazer qualquer pergunta: “Isto precisa acabar”, sentenciou, sob tímidos aplausos.

“Isto” é o inédito fluxo de imigrantes, principalmente de muçulmanos, numa cidade até recentemente tão branca que um negro filiado ao Partido Verde local teria, segundo dizem, ficado conhecido como “o africano de Erfurt”.

Nesta cidade de 208 mil habitantes, havia até recentemente cerca de 500 muçulmanos, segundo estimativas do prefeito. No entanto, até o final do ano, 4.000 migrantes, muitos deles de países muçulmanos, poderão se radicar aqui.

“Erfurt está mudando”, disse o prefeito Andreas Bausewein.

Cerca de 800 mil solicitantes de asilo já chegaram ou devem chegar à Alemanha até o final do ano, mergulhando o país numa experiência viva que muitos acreditam que será mais transformadora do que a queda do comunismo.

Depois da boa acolhida propiciada pela chanceler Angela Merkel aos milhares de refugiados que chegam da guerra e dos conflitos na Síria, no Iraque, no Afeganistão e em outros lugares, cidades comuns, como Erfurt, subitamente precisam lidar com algo extraordinário.

Para que tudo dê certo, são necessários camas e chuveiros. Tradutores e professores. Assistentes sociais e policiais. Casas e salas de aula. Empregos e dinheiro. Além de tudo isso, também a cooperação dos alemães comuns.

Muitos deles saudaram os migrantes com generosidade, mas outros continuam sem se convencer de que os benefícios compensam os gastos, as perturbações e, em última análise, a reconfiguração da identidade alemã.

Em Erfurt e em outros lugares, acolher os migrantes não é apenas uma questão de gestão logística, mas também de gestão da opinião pública. Até agora, esta cidade está se adaptando. Recentemente, com apenas meio dia de antecedência, um antigo centro de conferências foi transformado em acampamento temporário para 674 pessoas. Camas adicionais em 19 casas reservadas aos migrantes foram ocupadas, e outros imóveis foram identificados.

O edifício utilizado para receber os primeiros sírios que chegaram —um bordel desativado—acabou se mostrando particularmente adequado: quartos pequenos, com banheiros separados.

Moradores aplaudiram a chegada dos trens com migrantes. Alojamentos precisaram recusar doações e voluntários, porque seus depósitos já estavam cheios. Apesar das preocupações manifestadas por alguns, antevendo mais criminalidade, mais impostos e “mais muçulmanos”, outros se mobilizaram para transmitir sua solidariedade aos estrangeiros.

Hoje o desconforto é palpável. Recentemente, houve um incêndio criminoso contra três imóveis (ainda inabitados) para migrantes no norte da Turíngia, o Estado do qual Erfurt é a capital.

A crise migratória não é apenas um imperativo humanitário, mas também uma oportunidade. A Alemanha tem uma das menores taxas de natalidade na Europa. A população está encolhendo e envelhecendo, particularmente na antiga Alemanha Oriental.

“Acabei de conhecer uma família de refugiados com cinco filhos”, disse Dieter Lauinger, ministro estadual da migração. “Cinco filhos. Essas pessoas poderão vir a pagar a nossa aposentadoria.”

As empresas da região estão procurando 3.000 aprendizes. Há demanda por eletricistas, empreiteiros, médicos e professores.

Garantir teto e três refeições diárias a essas pessoas é uma tarefa gigantesca, segundo Lauinger. “Mas é pouco em comparação a lhes dar um futuro.”

Nem todos estão contentes com os recursos dedicados aos não alemães, segundo Sabine Iffarth, diretora da escola primária.

Os beneficiários de asilo na Alemanha recebem apartamento, seguro-saúde, um curso de línguas e 399 euros (cerca de R$ 1.700) por mês. Enquanto isso, muitos moradores do bairro estão desempregados e têm seus próprios problemas. “Fracassamos em integrar os derrotados na nossa sociedade, e aí nos pedem para integramos os refugiados”, disse ela.

Segundo o assistente social Jens Hennig, todos os migrantes que ele conheceu querem aprender alemão e trabalhar o mais rapidamente possível.

O mecânico de automóveis Shyar Ibrahym, 34, refugiado curdo originário de Aleppo, na Síria, vestia uma camisa da seleção alemã de futebol na sua segunda noite em Erfurt. A bandeira alemã decora a parede do seu quarto. “Amo a Alemanha”, disse. “Serei um bom cidadão.”

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