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Salão em Manhattan. | Nicole Bengiveno/The New York Times
Salão em Manhattan.| Foto: Nicole Bengiveno/The New York Times

Todos os dias infalivelmente, antes das 8h, jovens asiáticas e latino-americanas se aglomeram em quase todas as esquinas do bairro de Flushing, no distrito nova-iorquino do Queens.

Como que orquestradas, surradas vans Ford Econoline aparecem numa procissão ruidosa e encostam junto para o embarque das mulheres.

É o começo de mais um dia para legiões de manicures que serão distribuídas por salões de três Estados. Eles só voltarão para cá à noite, após cumprirem jornadas de 10 a 12 horas.

Numa manhã de maio de 2014, Ren Jing, 20, chinesa recém-chegada aos EUA, estreava nessa massa de manicures, agarrada a sua marmita e a uma bolsa com instrumentos, que elas carregam de emprego em emprego.

as manicures Jing Ren (à dir.) e Michelle Sun; Ren no começou sobrevivia só com as gorjetas.
Nicole Bengiveno
The New York Times

Levava US$ 100 enfiados no bolso, para outro gasto: a taxa que a dona do salão cobra de cada nova funcionária. Em troca, Ren poderia ficar trabalhando no salão sem receber salário, subsistindo à custa de magras gorjetas, até que sua patroa a considerasse suficientemente apta para merecer um salário.

A dona do salão levaria quase três meses para começar a pagá-la. Trinta dólares por dia. Fazer as unhas no salão se tornou nos últimos anos um hábito de beleza básico para mulheres de todas as classes sociais. Há atualmente mais de 17 mil salões de manicure nos EUA. Mas a exploração da mão de obra desse setor é praticamente ignorada.

“Spa de unhas” em Huntington Station, Nova York; manicures que estão nos escalões mais baixos do salão, seja porque são novatas ou porque não são coreanas, precisam desempenhar tarefas que outras rejeitam, como o trabalho de pedicure.
Nicole Bengiveno
The New York Times

O “New York Times”, após entrevistar 150 funcionárias e proprietários de salões de beleza, concluiu que a maior parte dessa mão de obra ganha menos que o salário mínimo, ou não ganha nada. Jornais em línguas asiáticas anunciam vagas que pagam US$ 10 por dia.

As manicures têm as gorjetas retidas por pequenas faltas, são monitoradas por vídeo e agredidas. Os produtos com que trabalham as expõem a problemas de saúde como abortos e câncer.

Os empregadores são raramente punidos por violações de leis trabalhistas ou de outros tipos. Abusos citados em ações judiciais incluíam cobrar das manicures pela água que elas bebiam e chutá-las e xingá-las quando estavam sentadas no banquinho de pedicure.

Entre mais de cem trabalhadoras ouvidas pelo “Times”, apenas cerca de um quarto disse receber o salário mínimo por hora de trabalho em vigor no Estado de Nova York. Todas, exceto três, sofreram retenções salariais que poderiam ser consideradas ilegais, como ao não receberem horas extras.

Em resposta à investigação do “Times”, o governador Andrew Cuomo criou uma força-tarefa composta por vários órgãos públicos para examinar esse setor, instituir novas regras para proteger as manicures contra os efeitos dos produtos químicos perigosos e iniciar uma campanha em seis línguas para conscientizá-las dos seus direitos.

Muitas delas passam os dias de mãos dadas com mulheres ricas em Manhattan e Greenwich (Connecticut). Longe das suas bancadas de trabalho, se recompõem em pensões lotadas de beliches ou em fétidos apartamentos partilhados por até uma dúzia de estranhas.

Ren trabalhou na Bee Nails, em Hicksville (Nova York), onde as poltronas de couro para fazer o pé são equipadas com iPads instalados em braços articulados, de modo que as clientes possam virar a tela sem borrar as unhas.

Elas raramente falavam mais que algumas palavras com Ren, que, como a maioria das manicures, usava nome falso no broche no peito, escolhido por uma supervisora. Ela era “Sherry”.

À noite, voltava para dormir no abarrotado apartamento de um dormitório em Flushing, com uma prima, o pai dela e três estranhos. Assim como Ren, quase todas as manicures entrevistadas pelo “Times” tinham inglês limitado; muitas estavam ilegalmente no país. Essa combinação as deixa vulneráveis.

Os salões de manicures são regidos por um sistema de castas étnico-racial. Os proprietários coreanos dominam o setor, e as trabalhadoras coreanas ganham o dobro das outras. As chinesas ocupam o escalão seguinte; as latino-americanas ficam na parte inferior.

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A equatoriana Ana Luisa Camas, 32, disse que, num salão de Connecticut pertencente a um coreano, ela e outras manicures latino-americanas precisavam passar seus turnos de 12 horas sentadas em silêncio, enquanto as coreanas eram livres para conversar.

A tibetana Lhamo Dolma, 39, recordou um emprego no qual tinha de comer em pé na cozinha, enquanto suas colegas coreanas comiam nas suas bancadas.

Há geralmente três degraus hierárquicos. As manicures do “Big Job” (“emprego grande”) são veteranas, especializadas em esculpir unhas de acrílico. É o trabalho mais rentável, mas muitas o evitam devido ao risco de aborto, câncer e outras doenças.

Diversas pesquisas corroboram esses temores, mostrando uma associação entre os produtos químicos usados em cosméticos e problemas de saúde graves.

Estudos apontaram que esteticistas têm elevados índices de morte por doença de Hodgkin, de parir bebês com baixo peso e de desenvolverem mieloma múltiplo, uma forma de câncer.

Casos de abortos e de crianças que nasceram “especiais” são tão comuns que as manicures mais velhas alertam mulheres em idade fértil a não entrarem no ramo.

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Um degrau abaixo das manicures do “Big Job” estão as “Medium Job” (“empregos médios”), que fazem o trabalho comum de manicures. “Little Job” (“emprego pequeno”) é a categoria das iniciantes, que lavam as toalhas usadas e varrem pedaços de unha. Fazem o trabalho que as outras não querem, como o de pedicure.

As manicures mais experientes ganham US$ 50 a US$ 70 por dia, podendo chegar a US$ 80, mas, por conta das jornadas longas, a remuneração ainda fica abaixo do salário mínimo por hora.

A cultura de subserviência dos salões de beleza vai muito além de paparicar as clientes. As gorjetas e os salários são parcialmente confiscados ou nem chegam a ser pagos, ou ainda sofrem deduções a título de punição por faltas como derramar tubos de esmalte.

Qing Lin, 47, manicure há dez anos, conta que uma vez um pingo de removedor de esmalte manchou a sandália Prada da cliente.

A mulher exigiu que o salão pagasse pelo estrago, e os US$ 270 foram descontados de seu salário. Ela perdeu o emprego. “Eu valho menos que um sapato”, disse ela.

Os donos tendem a justificar suas práticas trabalhistas argumentando que a concorrência derrubou o preço: fazer a unha custa US$ 10,50 em Nova York.

Em um salão, uma placa às clientes diz: “Se há menos gorjetas fica difícil contratarmos boas funcionárias, ou precisamos pagar salários maiores para contratá-las, o que pode também provocar um aumento no preço”.

Ren, que já deixou seus dois primeiros empregos, hoje ganha US$ 65 por dia em um terceiro salão e mora num apartamento com seus pais, que vieram da China para ficar com ela. Seu pai é cozinheiro em um restaurante, e a mãe virou manicure e ganha US$ 30 por dia.

Alguns proprietários admitiram que os salários são baixos, mas alegam que ajudam as imigrantes ao lhes dar trabalho.

Lian Sheng-sun, primeira empregadora de Ren, disse: “Os salões têm maneiras diferentes de conduzir seus negócios. Nós conduzimos o nosso à nossa maneira, de modo a permitir que nosso negócio continue sobrevivendo”.

Mas o contraste entre a vida dos proprietários e das trabalhadoras é notável. Sophia Hong, que foi dona do salão Madison Nails em Scarsdale (Nova York), tem uma coleção de arte que inclui uma obra de Park Soo-keun, artista coreano que teve uma tela vendida por quase US$ 2 milhões em 2012.

A obra está exposta na sua casa em Bayside, no Queens, um dos vários imóveis que ela possui. Em 2010, ela foi processada por uma funcionária que a acusou de não pagar horas extras. O processo foi encerrado com um acordo.

Quando os proprietários são condenados por apropriação dos salários, os salões são rapidamente vendidos, às vezes para parentes. Os proprietários somem com seus ativos, segundo promotores.

A equatoriana Lili se lembra da vez em que inspetores estaduais visitaram o salão onde ela trabalhava. Sua chefe gritou para que todas as funcionárias em situação ilegal saíssem correndo por trás.

“Aí saímos, entramos no carro e demos uma volta pelo bairro. Depois de 20 ou 30 minutos voltamos. Colocamos nossos uniformes de novo e voltamos ao trabalho.”

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