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Tesouros disputados por nações rivais estão armazenados em caixas | BART MAAT/EPA
Tesouros disputados por nações rivais estão armazenados em caixas| Foto: BART MAAT/EPA

Quase um ano após o término da popular exposição “Crimeia: Ouro e Segredos do Mar Negro” no Museu Allard Pierson, em Amsterdã, 565 tesouros raros emprestados por quatro museus da Crimeia permanecem encaixotados num armazém, à espera de uma decisão judicial sobre o seu destino.

O acervo estava em exposição quando a Rússia anexou a península da Crimeia, em março 2014, e agora as antiguidades e outros artefatos são mantidos como reféns pela complexa situação política no seu local de origem.

Será o caso de devolver a coleção para a Crimeia, o que seria basicamente entregá-la nas mãos dos russos? Ou ela deve ir para Kiev, capital da Ucrânia, que era a dona do acervo na época da exposição? É um cruzamento incomum entre arte e política, quando eventos atuais se intrometem no destino de obras com vários séculos de idade.

“Até onde eu sei, é a primeira vez que isso acontece, porque dependeu realmente do momento da crise e do momento do empréstimo”, disse Inge van der Vlies, professora de arte e de direito na Universidade de Amsterdã, onde ministra cursos sobre a relação entre o direito internacional e bens culturais. “É realmente uma coincidência que isso tenha acontecido ao mesmo tempo.”

A coleção inclui tesouros da região da Crimeia assegurados por € 1,4 milhão de euros (R$ 6 milhões). Entre eles estão pedras preciosas, artefatos gregos e romanos e caixas de laca asiáticas. O empréstimo feito pelos quatro museus da Crimeia deslumbraram os visitantes do Museu Allard Pierson, um pequeno e pacato centro arqueológico ligado à Universidade de Amsterdã.

Os artefatos foram incluídos em uma mostra organizada pela curadora e arqueóloga Valentina Mordvintseva, uma dos maiores especialistas do mundo em arqueologia da Crimeia.

A exposição viajou a Amsterdã em fevereiro, onde deveria permanecer até 31 de agosto de 2014. No entanto, um mês após o início da exposição, a Rússia invadiu a Crimeia, separando-a da Ucrânia.

O ministério ucraniano da Cultura alega que as peças são propriedade do Estado e pediu que elas fossem devolvidas ao governo ucraniano. Mas os museus da Crimeia disseram que elas deveriam ser devolvidas aos seus locais físicos de origem, os museus que agora estão sob controle russo.

Só depois do final da exposição a situação se tornou crítica, pois o museu Amsterdã disse que não poderia devolver os tesouros enquanto sua propriedade legal não estivesse clara.

O Ministério da Cultura da Rússia escreveu em um e-mail que os objetos devem ser devolvidos “ao território a qual estão mais estreitamente relacionados”, às margens do mar Negro. Quanto à suposição de que os itens seriam levados a outros museus da Rússia, o comunicado do ministério acrescentou que “qualquer especulação sobre o assunto é totalmente infundada”.

O Tribunal Distrital de Amsterdã, onde os quatro museus da Crimeia protocolaram suas queixas, ainda está reunindo fatos, e uma decisão levará meses para ser tomada.

“É um pesadelo para nós, realmente”, disse Wim Hupperetz, diretor do Museu Allard Pierson.

“Nós organizamos a exposição e, claro, queremos manter relações com esses museus que nos emprestaram os objetos. Naturalmente não é a situação que queremos. Também emprestamos objetos, então entendemos a frustração do outro lado.”

Maarten Sanders, advogado que representa a Ucrânia, disse que seu cliente gostaria que os objetos fossem devolvidos inicialmente para o Museu de Tesouros Históricos da Ucrânia, o principal museu nacional, em Kiev, que poderia optar por expô-los em outro lugar após a devolução.

Algumas das mais espetaculares peças de ouro cita (povo nômade da antiguidade) que estavam na exposição “Ouro e Segredos do Mar Negro” —incluindo um capacete ornamental de ouro e uma bainha de espada decorada com relevos de animais, do século 4° a.C.— estavam entre 19 artefatos devolvidos em setembro do ano passado ao Museu de Tesouros Históricos.

Liudmyla Strokova, diretora desse museu, disse em entrevista por Skype que imaginava que as demais peças também seriam entregues a Kiev.

“Se a decisão do tribunal for de que elas devem ser devolvidas aos museus da Crimeia, achamos que isso será um escândalo internacional e um grande problema”, disse com a ajuda de um intérprete.

“Acho que, se as peças forem devolvidas a museus da Crimeia, a Rússia poderia criar uma situação em que algumas das obras poderiam ser levadas à Rússia para exposições e ficar lá por muito tempo.”

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