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Mulheres e crianças ao lado de um poço em um campo de refugiados em Teknaaf. Rohingyas em grande número chegaram ao Bangladesh em 1992 | Sergey Ponomarev/ The New York Times
Mulheres e crianças ao lado de um poço em um campo de refugiados em Teknaaf. Rohingyas em grande número chegaram ao Bangladesh em 1992| Foto: Sergey Ponomarev/ The New York Times

De sua loja perto da fronteira com Mianmar, Mohammad Hossain assistiu ao crescimento do tráfico de pessoas.

Os clarões de luz sobre a água, sinalizando que a área estava livre, se multiplicaram até parecer relâmpagos. O fato de os barcos não transportarem peixes não era segredo para ninguém. Um dia, quando um barco pesqueiro afundou, muitos corpos ficaram boiando na água.

Os habitantes de Shah Porir Dwip —pescadores, comerciantes, policiais e políticos— estão todos envolvidos, como participantes ou observadores, em um negócio de tráfico de pessoas que movimenta milhões de dólares e deitou raízes profundas nessa área de Bangladesh.

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Alguns clientes despejam cerveja em copos de plástico transparente de McCafé e bebem sem disfarçar. Um homem chamado Shamrock bebe vodca pura de uma garrafa de água mineral em uma mesa perto da porta. Recentemente, um homem foi direto para o banheiro, fazendo uma pausa só para abrir a mochila e pegar um saco de heroína.

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O mundo externo tomou conhecimento do tráfico neste ano, quando foram encontradas sepulturas rasas em campos improvisados de migrantes na Tailândia, perto da fronteira com a Malásia, e após embarcações serem abandonadas no meio do oceano cheias de pessoas à beira da morte por inanição.

A notícia não provocou surpresa em Shah Porir Dwip.

Inicialmente, o tráfico de pessoas envolvia principalmente migrantes econômicos e oferecia aos habitantes locais uma alternativa lucrativa à pesca e à extração de sal. Porém, a atividade ganhou fôlego e virou uma operação de larga escala.

Hoje os traficantes usam táticas intensivas para lotar embarcações precárias com refugiados desesperados, especialmente rohingyas, que fogem da miséria e da perseguição étnica em Mianmar.

Às vezes os traficantes trabalhavam com migrantes que tinham feito a viagem até a Malásia, extorquindo dinheiro de seus familiares e amigos. Histórias de sequestros passaram a ser comuns. A operação cresceu, acobertada pelo silêncio.

Hossain falava com os migrantes quando eles vinham comprar alimentos, a caminho das casas onde aguardariam o sinal para ir aos barcos. “Dizia a eles que muitos dos barcos afundavam no caminho. Mas eles não me ouviam, tinham um sonho na cabeça.”

Quase todos os habitantes de cidade bengalesa de fronteira estão envolvidos no tráfico de pessoas, principalmente de rohingyas
Sergey Ponomarev
The New York Times

Os rohingyas, grupo étnico muçulmano, fugiram por anos de Mianmar, onde o governo os via como intrusos vindos de Bangladesh. Porém, sua vida não era muito melhor em Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo.

Shah Porir Dwip fica na foz do rio Naf, que separa Bangladesh de Mianmar. Foi por aqui que centenas de milhares de rohingyas chegaram em 1992, fugindo de assassinatos, estupros e incêndios cometidos pelo Exército birmanês.

A polícia bengalesa concluiu que foi um pescador rohingya nascido em Mianmar e chamado Tazer Muluk quem, em 2000, descobriu uma rota marítima para a Malásia que podia ser percorrida em menos de uma semana.

Em 2014, a rede de tráfico de pessoas já contava com pelo menos 600 traficantes e 1.600 agentes e barqueiros subordinados.

O rohingya Mohammad Ataul, que tem 26 anos e cresceu em um campo de refugiados, era um agente encarregado de persuadir pessoas a empreender a viagem.

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Para isso, ele dizia às pessoas que um dia de trabalho na Malásia podia render três vezes mais que as 300 tecas, ou US$ 4, que um trabalhador braçal sem documentos consegue ganhar em Bangladesh.

“Eu falava à pessoa: ‘Se você não morrer no mar, acabará conseguindo um emprego’”.

Em um ano e três meses, Ataul e seu sócio recrutaram cerca de 400 pessoas, dividindo entre eles uma taxa de entre US$ 40 e US$ 65 por cabeça. Pagavam propinas a policiais ou guardas na fronteira.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados calcula que 25 mil migrantes partiram da baía de Bengala no primeiro trimestre deste ano, o dobro do número que partiu nos três primeiros meses de 2014 ou 2013.

Os deveres de Ataul cresceram e passaram a incluir a extorsão de parentes de migrantes que não conseguiam desembolsar os US$ 2.500 cobrados pela viagem.

Esses migrantes, segundo contou, pagavam um valor pequeno à vista e então eram mantidos em detenção enquanto os traficantes cobravam um resgate de suas famílias.

Mais ou menos um terço das famílias conseguia juntar o dinheiro pedido. Os migrantes restantes eram submetidos a maus-tratos e passavam fome.

Nos cinco primeiros meses deste ano, as autoridades bengalesas prenderam 340 pessoas por suspeita de envolvimento no tráfico de pessoas. A informação é de Mirza Abdullahel Baqui, que dirige a unidade de tráfico do departamento de investigações criminais do Bangladesh.

Apesar disso tudo, candidatos a migrantes ainda esperam que, após a estação das monções, quando o mar ficar mais ameno, as redes de tráfico entrem em ação novamente. Uma rohingya de 18 anos, Tahera Begum, estava em um “depósito” de migrantes em maio, aguardando o sinal para embarcar em um navio, quando o escândalo veio à tona. Agora ela aguarda no campo, na esperança de ter nova oportunidade. “Tenho medo, mas vou tentar, mesmo assim”, disse. “Quero sair daqui.”

Colaborou Julfikar Ali Manik

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