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Policial mascarado invade favela de Manaus | Mauricio Lima para The New York Times
Policial mascarado invade favela de Manaus| Foto: Mauricio Lima para The New York Times
  • Estádio de futebol Arena Amazônia, para a última Copa do Mundo

Com mãos e pés amarrados, os dois homens mortos recentemente, encontrados por policiais em um porta-malas, a princípio se pareciam com muitas outras vítimas em Manaus, a maior cidade da Amazônia. Mas, como que para assinar seus trabalhos, os assassinos entalharam três letras nos corpos: FDN, iniciais da Família do Norte, uma gangue de traficantes que disputa a supremacia do comércio de cocaína na Amazônia brasileira.

O Brasil surge como o segundo maior consumidor de cocaína do mundo depois dos Estados Unidos, e a Amazônia está se tornando o grande domínio do tráfico. Os traficantes transportam a droga através das fronteiras porosas com Peru, Colômbia e Bolívia, antes de levar a cocaína de barco até o Atlântico para despachá-la para a Europa. Soma-se a isso o crescimento das cidades da floresta tropical brasileira que sustenta o mercado em expansão de cocaína e substâncias como o oxi — uma mistura barata de pasta de cocaína, gasolina e querosene — alimentando um aumento na violência das drogas, agora que a população da Amazônia brasileira se aproxima dos 25 milhões. Manaus, importante centro logístico da Amazônia e sua maior área metropolitana, com dois milhões de habitantes, sofre com a expansão do comércio de cocaína, suportando guerras territoriais, ataques a policiais e terríveis assassinatos.

A transformação de Manaus de pacata cidade ribeirinha, conhecida por sua arquitetura da Belle Époque tropical, em um centro de comércio de cocaína da Amazônia, reflete mudanças mais amplas na cidade ao longo de décadas. Para alguns moradores, ela está quase irreconhecível se comparada à época da expansão industrial da década de 1970 durante a ditadura militar do Brasil, quando muitos dos edifícios mais antigos da cidade foram demolidos e migrantes vieram para cá em busca de empregos em fábricas.

"Manaus era um lugar paradisíaco na minha juventude, uma cidade onde íamos nadar em riachos e ver a vida selvagem da Amazônia de perto nas árvores das praças", disse Milton Hatoum, escritor de 62 anos, que cresceu aqui e agora mora em São Paulo.

"Essa Manaus foi sistematicamente destruída, substituída por uma cidade com favelas tão perigosas que tenho medo até de pisar nelas", ele disse.

Uma característica marcante do comércio de drogas de Manaus e de outras cidades no Amazonas é o grande domínio das gangues. Elas geralmente controlam o tráfico de cocaína de dentro de presídios, replicando uma estrutura sofisticada do crime organizado com raízes em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Nas ruas, traficantes disputam o controle de bocas de fumo, ou pontos de venda onde o comércio da droga é realizado, às vezes terminando em assassinatos ao estilo de execução. As autoridades também enfrentam assassinatos de acerto de contas entre traficantes de ruas e de usuários de cocaína por dívidas de drogas, com o Estado do Amazonas registrando uma taxa de homicídios de 50,1 por 100 mil habitantes em 2012, um aumento de 157 por cento desde o início do século e quase duas vezes a taxa nacional brasileira.

A fraca segurança contribui com uma sensação distópica em algumas áreas, onde novas e luxuosas torres residenciais e um estádio de futebol futurista da Copa do Mundo ficam ao lado de canais cheirando a esgoto.

Em muitos cantos de Manaus, os usuários podem comprar oxi ou crack por US$2 a pedra e alguns consomem suas compras abertamente, usando cachimbos feitos de latas de alumínio.

"É fácil conseguir drogas em Manaus. Hoje você entrar em um bar, começa a beber e quando menos espera encontra alguém que vende. É assim em todos os bairros", disse Francisco Edinaldo da Silva Pereira, de 34 anos, motorista de táxi desempregado e ex-viciado em recuperação.

Enquanto a violência da droga atinge Manaus e outras cidades, o Brasil opta por evitar grandes estratégias de intervenção como os Estados Unidos fizeram em países vizinhos. Mesmo assim, a Polícia Federal, agência brasileira que combate o tráfico de drogas, recentemente adicionou pelo menos 19 postos de fronteira para reforçar as operações antidrogas.

Agentes brasileiros apreenderam toneladas de cocaína e prenderam figuras importantes do tráfico, como Jair Ardela Michue, chefão peruano que montou uma operação de tráfico de cocaína que se estendeu até Manaus.

Agentes de segurança aqui insistem que estão tendo progresso. Em uma demonstração de força em uma manhã de novembro, mais de uma dúzia de policiais do Fera, pelotão de operações especiais em Manaus, iniciaram uma varredura do Beco Cruzeiro do Sul, favela onde acredita-se que os traficantes de cocaína operem.

Brandindo fuzis de assalto e escondendo o rosto atrás de máscaras por medo da retaliação de traficantes, os policiais invadiram casebres. Em meio à miséria de uma casa cheirando a fezes, os oficiais interrogaram moradores sobre o paradeiro de um indivíduo suspeito de tráfico. Ele não estava mais lá.

"Isso não é de surpreender, já que os traficantes têm informantes em todos os lugares," disse um oficial, completando: "Olha só esse lugar. Esse não é nosso território. É deles".

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