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Pelo lado histórico e cultural, o movimento independentista faz bastante sentido. Por um lado mais pragmático, no entanto, o separatismo não tem muita razão | JOSEP LAGO/AFP
Pelo lado histórico e cultural, o movimento independentista faz bastante sentido. Por um lado mais pragmático, no entanto, o separatismo não tem muita razão| Foto: JOSEP LAGO/AFP

Existem diferentes perspectivas pelas quais se pode observar o processo independentista na Catalunha. Pelo lado histórico e cultural, ele faz bastante sentido.  

A região possui uma identidade própria muito forte. O idioma local, o catalão – uma mistura entre espanhol, francês e português, é falado por boa parte da população nativa no dia-a-dia, é ensinado como língua principal nas escolas fundamentais e é utilizado na comunicação oficial dos órgãos públicos.  

O canal de televisão com a maior audiência na região, TV3, é um canal público (em catalão, claro) que cobre majoritariamente os temas locais, com pouca atenção aos temas da Espanha como um todo.  

A Catalunha tem língua, culinária, música, dança, literatura, símbolos e estilo de vida próprios. Tudo o que um país precisa ter. E tudo o que foi violentamente reprimido pela ditadura militar de Franco, que comandou o país durante boa parte do século 20. Por esse ponto de vista, dá para entender a vontade que a região possui em se autogovernar, sem ser politicamente e legalmente submissa a um governo espanhol que, para muitos, ainda é visto como o grande responsável pela morte de amigos e familiares.  

Por um lado mais pragmático, porém, a independência faz pouquíssimo sentido. O governo catalão não tem controle sobre fronteiras, não possui banco estatal, não possui estrutura militar própria, não controla os aeroportos, não controla os portos e nem as ferrovias.  

As principais empresas locais sobrevivem das exportações e se beneficiam do ponto estratégico como porta de entrada do Mediterrâneo para a Espanha. O único chefe de estado a apoiar oficialmente a independência foi Nicolás Maduro.  

Para piorar, nos últimos cinco anos, a dívida do governo local com o governo do país saltou de 8 bilhões de euros para 50 bilhões de euros. Por esse lado, a busca pela independência da região não tem nenhum sentido.  

Divisão 

Com essas realidades tão diferentes, é natural que a busca pela independência não seja unanimidade entre os catalães. Ao contrário do que pode parecer ao se ver as imagens dos protestos pelas ruas de Barcelona, o equilíbrio entre os que buscam a independência e os que buscam manter a região dentro estado espanhol é muito grande.  

No parlamento catalão, essa divisão era visível. A bancada independentista era formada por uma maioria pequena, criada a partir da coalisão entre os partidos de centro-esquerda e de extrema esquerda que, juntos, somavam 72 das 138 cadeiras. Apesar de parecer uma vontade de todos, a independência foi aprovada no parlamento catalão por somente 52% do total de votos.  

O movimento ganhou força com as cenas de violência policial no dia do referendo que repercutiram internacionalmente e relembraram as práticas da ditadura de Franco. Mas, logo em seguida, foi enfraquecido pelas notícias de que as principais empresas da região começaram a mover suas sedes fiscais para outras cidades da Espanha temendo o risco da instabilidade causada pelo processo.  

Não à toa, quando o ex-presidente do Parlamento Carles Puigdemont anunciou publicamente a independência, a suspendeu na frase seguinte. Ao proclamá-la, deu voz à metade barulhenta da população que busca a autonomia com o coração. Mas, ao suspendê-la, deu razão à metade silenciosa que sabe que, fazendo as contas, ela não faz muito sentido.  

A consequência era esperada e aconteceu rapidamente. Em poucos dias, o governo espanhol dissolveu o parlamento catalão, processou os líderes políticos do movimento e assumiu temporariamente o controle da região. Ao invés de mais autonomia, o processo independentista conseguiu gerar o efeito justamente oposto.  

Emoção e razão 

Para a metade racional da Catalunha, a intervenção pode até ser incômoda, mas representa um alívio, já que traz estabilidade, segura a pressão do mercado e mostra o comprometimento do governo espanhol e da Comunidade Europeia com a manutenção do sistema político atual.  

Para a metade emocional, porém, a intervenção é uma ofensa à liberdade e à identidade catalã. Adicionando a isso a prisão de alguns dos líderes do movimento por traição e conspiração contra o estado espanhol, protestos inflamados, paralisações e manifestações contra o autoritarismo acontecem diariamente por toda a região.  

A intervenção do governo espanhol tem data para acabar, já que as novas eleições locais foram convocadas para o dia 21 de dezembro. As pesquisas eleitorais indicam que a formação do parlamento deverá ser essencialmente a mesma que a anterior, ou seja, com uma leve vantagem para os partidos independentistas.  

A diferença, porém, é que nesta eleição o bloco não estará tão unido. Com a suspensão do processo por Puigdemont, os partidos de extrema esquerda romperam com os de centro-esquerda por aquilo que eles consideraram como o 'desperdício de uma oportunidade histórica' para a formação do estado catalão.  

Os partidos mais para o centro, por sua vez, anunciaram que não desejam um rompimento unilateral, mas sim a busca por uma independência que obedeça a um processo legal e constitucional que evite a intervenção do governo espanhol. 

Os partidos do meio do caminho, por sua vez, ainda tentam juntar os cacos para continuar a perseguir a confusa agenda revolucionária. Qualquer que seja o resultado, porém, o processo independentista sai como o maior derrotado, já que, apesar de toda a confusão dos últimos meses, voltou à estaca zero.  

A independência é um grande sonho, mas que não é sonhado por uma grande parte da população. Para que ela tenha qualquer chance de acontecer, é preciso primeiro alinhar as perspectivas de toda a região. E esse talvez seja o maior de todos os desafios da Catalunha.

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