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Imagem fornecida pelo Comando das Nações Unidas mostra soldado norte-coreano sendo perseguido em Zona Desmilitarizada  | AFP
Imagem fornecida pelo Comando das Nações Unidas mostra soldado norte-coreano sendo perseguido em Zona Desmilitarizada | Foto: AFP

No início do mês, na Assembleia Nacional em Seul, Trump destacou a tragédia das "duas Coreias" – uma, livre, justa e pacífica; a outra, tirânica, opressiva e perigosa. Esse contraste é a base do problema de segurança nacional mais premente enfrentado pelos Estados Unidos. E também está à mostra, explicitamente, em um hospital sul-coreano, onde os médicos estão fazendo o que podem para salvar um soldado do Norte, ferido e desnutrido, que desertou do Estado escravagista de Kim Jong-un.  

O desertor, cujo nome ainda não foi divulgado publicamente, arriscou a vida cruzando a Zona Desmilitarizada à toda velocidade, em um jipe, rumo à fronteira fortemente protegida em Panmunjon. Sabia que as tropas norte-coreanas tinham ordens de atirar para matar contra quem quer que tentasse fugir. Conseguiu chegar ao outro lado com seis balas cravadas nos braços e no tórax.  

Os guardas sul-coreanos o resgataram a pouco mais de 50 metros da fronteira, e não demorou para que os médicos descobrissem a gravidade de seu estado: além dos ferimentos a bala, estava com hepatite B, pneumonia e "um número enorme" de vermes no intestino, alguns com quase trinta centímetros de comprimento.

"Nunca vi nada parecido em vinte anos de profissão", confessou o médico sul-coreano. Os parasitas podem se esconder nos novos ferimentos, podendo causar efeitos devastadores.  

O sofrimento desse desertor é uma pequena amostra da vida na Coreia do Norte. Apesar dos gastos estratosféricos do regime com armas sofisticadas, monumentos à família de Kim e propinas para as elites em Pyongyang, até os soldados mais conceituados sofrem de desnutrição crônica; a vasta maioria da população enfrenta coisa ainda pior. Essa é a crueldade do regime da Coreia do Norte – e a responsabilidade dos governos estrangeiros que a permitem.  

Todos os 23 milhões de habitantes daquele país são regidos por um sistema de castas brutal imposto pelo Estado conhecido como "songbun" – palavra que, aliás, deveria ser conhecida pelo mundo todo. Desde o nascimento, o norte-coreano é marcado pelo governo como membro da casta "essencial" legalista, da intermediária "indecisa" e da "hostil"; é essa designação que determina o acesso à comida, à educação, à moradia e aos empregos – ou seja, a tudo. Durante a grave carestia dos anos 90, quando mais de dois milhões de pessoas morreram, o sistema songbun é que determinava quem comia e quem morria de fome.  

A Coreia do Norte já teve um setor de indústria pesada relativamente produtivo, além de minerais e outros recursos naturais, mas enquanto o Sul cresceu após o conflito na península, tornando-se uma das maiores economias mundiais, o Norte comunista deixou seu povo miserável – principalmente as crianças, desnutridas e drasticamente mais baixas e magras que as do Sul.  

Fugas

Cerca de 30 mil norte-coreanos desertaram nas duas últimas décadas, geralmente trilhando um caminho extremamente perigoso que passa pela China para eventualmente chegar à Coreia do Sul – e inclui os riscos na própria fronteira nacional, cujos guardas têm ordem de atirar para matar.

Há também as ameaças representadas pelos traficantes humanos, que acabam atraindo os mais desesperados para os trabalhos forçados ou a prostituição, e pelas autoridades chinesas, que enviam os desertores de volta à terra natal, onde enfrentam a prisão e até a execução. Tais repatriações violam as obrigações legais explícitas da China sob a Convenção Internacional dos Refugiados.  

A própria Coreia do Norte também persegue aqueles que tentam escapar para tentar ganhar a liberdade. Esta semana, o governo Trump classificou o país como um Estado patrocinador do terrorismo, em parte por causa dos assassinatos de fugitivos e dissidentes no exterior, incluindo o meio-irmão de Kim Jong-un, morto com agente VX na Malásia. Os Estados Unidos não vão ficar de braços cruzados enquanto um regime cruel e despótico persegue aqueles que resolveram arriscar a própria vida pela libertação.  

Kim também envia seus compatriotas para o exterior, para ganhar dinheiro para seu regime através do trabalho escravo em minas, madeireiras, canteiros de obras e todo tipo de trabalho pesado, especialmente na China. A Rússia também utiliza mão de obra norte-coreana – há suspeitas inclusive de que tenha sido usada na construção dos estádios de futebol da Copa do Mundo de 2018. 

Segundo a ONU, Pyongyang ganha aproximadamente US$230 milhões/ano dessa forma. O governo norte-americano pediu que China, Rússia e todas as nações que exploram esse tipo de trabalho forçado encerrem tais atividades imediatamente.  

É importante detalhar os horrores das violações norte-coreanas aos direitos humanos porque elas fazem parte da ameaça nuclear que enfrentamos e servem para denunciar os países que ainda se mostram dispostos a comercializar e acobertar o regime de Pyongyang. O Norte é tão ameaçador à Ásia quanto é cruel com o próprio povo. Está mais do que na hora de as nações civilizadas – e, sem dúvida, aquelas que pretendem ser mais respeitadas no cenário internacional – se unirem pelo desarmamento nuclear norte-coreano definitivo, ainda que tardio.  

Em relação ao desertor da semana passada, quando acordou depois da cirurgia, ele pediu para ouvir músicas sul-coreanas e ver filmes norte-americanos – uma pequena amostra da liberdade que há tanto tempo lhe foi negada. Que nós, norte-americanos, possamos dar graças pela liberdade e sabê-la sempre tão preciosa.  

(*) Brian H. Hook é diretor de planejamento de políticas e assessor de diretrizes do Departamento de Estado dos EUA.

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