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O maior desejo da presidente do Chile, Michelle Bachelet, confessado por ela publicamente, é que seu segundo mandato, iniciado em março de 2014, seja lembrado como “um governo de reformas para combater a desigualdade”. Esse parece ser, hoje, um objetivo quase utópico. Apesar de Bachelet ter conseguido avançar na aprovação de reformas importantes em matéria de educação e tributos, entre outras, no Chile a palavra onipresente é corrupção. A chefe de Estado, que retornou ao poder com uma imagem positiva de 52%, está vivendo verdadeiro inferno astral desde que veio à tona uma denúncia contra seu filho, Sebastián Dávalos, e sua nora, Natalia Compagnon, acusados de terem obtido informação privilegiada e utilizado tráfico de influência para conseguir um empréstimo de cerca de US$ 10 milhões do Banco de Chile. De acordo com recentes pesquisas, a imagem positiva de Bachelet despencou para menos de 30%, criando um clima de incertezas que obrigou a presidente a faltar à histórica Cúpula das Américas da semana passada no Panamá e até mesmo a desmentir a hipótese de renúncia.

— Se por acaso alguém tem dúvidas, eu não pensei em renunciar e não penso em fazê-lo, nem sequer sei se isso poderia ser feito constitucionalmente — afirmou a chefe de Estado recentemente.

O delicado caso do filho da presidente, que em fevereiro passado renunciou ao cargo de diretor sociocultural da Presidência da República, somou-se a outros dois escândalos de corrupção envolvendo grandes empresas e políticos de partidos opositores e aliados. A Justiça chilena está investigando os chamados casos Penta e SQM, sobre possíveis doações ilegais a campanhas eleitorais, a partir de desvios de recursos que deveriam ter sido pagos como impostos.

— Pode ser que haja corrupção no Chile, mas ela não é generalizada. Nem todo mundo é corrupto em nosso país — disse Bachelet, que confessou ter sido “duro como mulher, como mãe e como presidente” enfrentar as acusações contra seu filho. — Quando empresários poderosos vão para a cadeia e são investigados, quando parentes da presidente são investigados, isso demonstra que o governo não está fazendo esforço algum para varrer as coisas para baixo do tapete — assegurou a presidente, que deixou o Palácio de la Moneda em 2010 com altíssima imagem positiva, foi reeleita em 2013 e agora está diante do desafio de continuar governando outros três anos, com a sombra da corrupção pairando sobre sua família e a Nova Maioria, a coalizão de governo chilena.

Conselho anticorrupção

Dávalos e sua mulher já prestaram depoimento e estão aguardando o avanço do processo. Na tentativa de dar uma resposta à demanda de transparência da cidadania, Bachelet criou um Conselho Assessor sobre Corrupção, que no próximo dia 30 de abril apresentará propostas para enviar ao Congresso.

— Estamos vivendo uma situação de governabilidade complexa. Falar em renúncia foi um exagero, mas a verdade é que parece que houve alguns comentários de Bachelet, em conversas informais, que alimentaram esses boatos — afirmou o analista político Guillermo Hollzman, professor da Universidade Valparaíso.

Segundo ele, “a corrupção está ofuscando as reformas que Bachelet conseguiu aprovar nos primeiros meses de governo”. Semana passada, o governo anunciou a aprovação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, medida inédita num país de perfil conservador como o Chile. Mas a iniciativa teve menos repercussão do que se esperava, em meio à sucessão de notícias sobre os escândalos de corrupção, entre elas a situação do ministro do Interior, Rodrigo Peñailillo, que teve de esclarecer seu vínculo trabalhista com uma empresa que, em 2011 e 2012, recebeu pagamentos da SQM, investigada pela Justiça por desvio de recursos tributários.

— Dávalos ainda não foi acusado formalmente, mas as suspeitas são grandes. Todos esperavam uma reação mais enérgica da presidente — enfatizou o analista

As denúncias de corrupção, aliadas a uma desaceleração da economia local, tornaram sombrio o humor dos chilenos. A grande maioria deles acredita que o país, que em tempos recentes foi apontado como modelo de desenvolvimento na América do Sul, está num “mau caminho”. Na quinta-feira, dezenas de milhares de estudantes foram às ruas em um novo protesto por mudanças na educação, como os que sacodem o país desde o governo do antecessor de Bachelet, Sebastián Piñera. Mas desta vez a manifestação também se transformou em protesto contra a corrupção — alguns dos manifestantes pediram a saída de Bachelet.

Na opinião de Patricio Navia, professor das universidades de Nova York e Diego Portillos, para superar a crise o governo será obrigado a fazer uma reforma de gabinete, no curto prazo.

— O ministro do Interior, que seria quem deveria apagar este incêndio, está no meio do fogo — disse Navia.

Para ele, não está em risco a continuidade de Bachelet, mas sim seu programa de governo

— A presidente prometeu reformar a Constituição herdada de Pinochet e isso, pelo menos este ano, não será possível. O futuro dependerá do avanço da crise.

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