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| Foto: MATT STANLEY/NYT

Na torre da Igreja Episcopal St. Mark, na Filadélfia, um círculo de homens e mulheres se revezava puxando as cordas que subiam e desciam através de buracos no teto, seis metros acima de suas cabeças. Elas estavam presas a oito sinos pendurados em um campanário e todos davam duro para criar a cascata gloriosa e variada de notas que soava sobre a região do centro.

Os participantes, ou tocadores de sinos sincronizados, praticam a antiga arte de convocar os fiéis para a igreja na Inglaterra do século 12. Hoje, ela é mantida viva por pequenos grupos de devotos, muitos deles idosos, em vários locais ao redor do mundo, especialmente naquele país.

A combinação de disciplina mental, resistência física e rigoroso trabalho em equipe ajuda a explicar o interesse da atividade para os aposentados, que normalmente têm tempo e experiência para se tornar tocadores competentes e que são a maioria em muitos desses grupos.

Comparados com os sinos automáticos na hora cheia e em intervalos regulares, os sinos tocados manualmente e de modo sincronizado é uma tarefa mais complexa.

Os tocadores da St. Mark e de cerca de seis mil outras igrejas de várias denominações em todo o mundo criam sua alegre sinfonia com um pequeno número de sinos – em geral, seis ou oito. Suas notas são sempre as mesmas, mas eles são tocados em sequência e ênfase variadas, o que exige um trabalho em equipe harmonioso, uma memória afiada e anos de prática.

“A agilidade mental e o lado social é definitivamente uma parte importante”, disse Bruce Butler, presidente da Guilda Norte-Americana de Tocadores de Sino, fundada em 1972. “Muitos tocadores são idosos porque aprenderam a atividade quando eram jovens e mantiveram a prática”, acrescentou Butler.

Eles valorizam as amizades que construíram ao longo dos anos dentro de seus grupos e com os tocadores que os recebem em outras cidades ou países.

“Você pode chegar a uma torre, em qualquer lugar, em uma noite de ensaio, e alguém na mesma hora pergunta: ‘Você veio para tocar? Certo! O que vai ser?’. Aí já arranjou um grupo e vai para o pub “, disse Andrew Evans, de 65 anos, inglês que geralmente toca na Catedral de Gloucester, mas que, recentemente, visitou a Filadélfia para o Quarter Peal Weekend, realizado anualmente pela Guilda de Tocadores de Sino da Filadélfia.

Evans, diretor de pesquisa aposentado de uma multinacional francesa, disse que costumava jogar golfe antes de perder a visão do olho direito, o que o impediu de continuar. Começou então a procurar outra atividade social que lhe garantisse um pouco de exercício. Decidiu retomar sua experiência de tocador, que começou quando tinha 15 anos em uma aldeia isolada na Inglaterra, onde não havia muita coisa para um adolescente fazer além de tocar os sinos na igreja local.

O Quarter Peal Weekend atraiu cerca de 25 tocadores que se reuniram na Igreja de St. Martin-in-the-Fields, no bairro de Chestnut Hill, Filadélfia. Grupos de oito integrantes tocavam um conjunto de quatro sinos, cada um com cerca de 1.260 variações, em apresentações que levavam entre 40 e 45 minutos cada.

Com seus métodos avançados, a fim de semana foi basicamente para tocadores experientes que queriam se aperfeiçoar na companhia de outros especialistas.

“Se o grupo local não é bom o bastante para algo mais complicado, dá para chamar outros tocadores, de outras torres, que também não conseguem empregar o método mais complexo; aí o grupo combinado pode tocar”, disse Donald Trumpler, 86 anos, que começou sua prática em 1965, mas não o faz mais por causa da fragilidade física. Ele e a esposa, Elisabeth Trumpler, estão entre os fundadores da Guilda Norte-Americana de Tocadores de Sinos.

“Se você só toca na sua própria torre, desenvolve um nível de familiaridade com os sinos, mas não sai muito disso. Deixar essa zona de conforto para tocar sinos mais pesados ou mais leves, sinos que não badalam tão bem quanto os da sua região, é uma experiência de aprendizagem”, disse ele.

Trumpler, ex-professor de matemática, disse que os aprendizes no Quarter Peal Weekend teriam que ser orientados pelos especialistas. “Para um método de toque mais complexo, você precisa de pelo menos um tocador especialista em N-1, onde N é o número de sinos”, disse ele.

A natureza matemática da atividade ajuda a explicar por que às vezes ela atrai aqueles com inclinação científica, disse Paul Heinsdorf, estudante de Matemática na Universidade Temple. “É interessante porque são grupos de permuta. Você ficaria surpreso com o número de tocadores que são físicos ou matemáticos”, disse ele.

Heinsdorf começou a tocar quando tinha 11 ou 12 e parou aos 14, mas sempre voltava para a torre. Hoje ele toca na St. Martin uma vez por semana, durante o verão, e está tentando melhorar suas habilidades, mas sabe que precisará trabalhar duro. Aos 34 anos, Heinsdorf era um dos tocadores mais jovens do Quarter Peal Weekend. Sua participação foi especialmente bem-vinda pelos mais velhos, que temem que a arte acabe morrendo a menos que gente mais nova comece a participar.

MATT STANLEY/NYT

“Você pode aprender a tocar sino em um dia, mas a velocidade, a precisão, as variações exigidas vêm com o tempo. Não basta chegar à torre e começar a tocar. É uma habilidade técnica; você observa os outros e tem que saber qual será o padrão no futuro”, disse ele.

A presença de tocadores experientes no evento era evidente; apenas quatro das 20 peças apresentadas tiveram que ser interrompidas porque acabaram irremediavelmente fora de sincronia, uma taxa de sucesso maior do que a habitual, segundo Butler, o principal organizador do evento.

“Este ano, tivemos participantes mais experientes do que o normal”, disse Butler, professor de matemática aposentado de 67 anos, que aprendeu o ofício na Inglaterra, onde está a grande maioria dos grupos de sinos usados no toque sincronizado de todo o mundo. Na América do Norte, existem 52 conjuntos, a maior parte deles em igrejas, mas com vários em escolas e universidades.

Para Susan Clopper, livreira aposentada de de 73 anos de Middletown, Delaware, a melhor coisa sobre o toque sincronizado é o trabalho em equipe que pode resultar em um desempenho afinado.“Tudo se encaixa, e é maravilhoso”, disse ela, que toca desde 1976.

“Memorizar as variações exige muito estudo antes, e muita concentração durante a apresentação, mas, quando você domina a técnica de puxar a corda, não há muita força física envolvida”, garante a senhora que pesa 45 quilos.

Geralmente toca os agudos, ou sino menores, mas já tocou alguns que pesavam até uma tonelada. “O mais importante é a técnica”, ensina.

A atividade já a levou a várias cidades, incluindo Vancouver, Honolulu e Little Rock, no Arkansas. Mas o melhor foi tocar um método chamado “Cambridge Surprise”, na igreja Great St. Mary’s, em Cambridge, Inglaterra.

“Seja qual for a motivação, muitos tocadores desejam voltar à torre depois que pegam o gosto pela atividade. Não importa o que você faça, sempre vai voltar a tocar”, disse Heinsdorf.

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