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Suprema Corte dos Estados Unidos: discussão sobre Emenda Johnson, se proposta por Trump, deverá chegar ao tribunal, atualmente formado por cinco católicos e três judeus. | Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Suprema Corte dos Estados Unidos: discussão sobre Emenda Johnson, se proposta por Trump, deverá chegar ao tribunal, atualmente formado por cinco católicos e três judeus.| Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

O incipiente governo de Donald Trump não está apenas virando de cabeça para baixo as relações externas dos Estados Unidos, com muros, restrições a viajantes e o fim de acordos comerciais. Agora ele promete mudar um dos pilares da sociedade americana: a separação entre religião e política.

Há alguns dias, o presidente voltou a prometer o fim da chamada Emenda Johnson, que desde 1954 estabelece claramente os limites que as igrejas enfrentam no país. Caso avance nesta linha, os Estados Unidos poderão ter mais interferência religiosa em seu governo que muitos países da América Latina, segundo especialistas.

“Vou destruir completamente a Emenda Johnson. Permitirei que representantes da fé falem livremente e sem medo de represálias. Vou fazê-lo, lembre-se”, disse Trump há dez dias ao participar, em Washington, do Café Nacional de Oração sem indicar quando vai propor a alteração.

Limites

A emenda recebe o nome de seu principal redator, o então senador Lyndon Johnson, que mais tarde chegaria à Casa Branca. A norma determina que igrejas e outras organizações sem fins lucrativos — como universidades e instituições de caridade —, que são isentas do pagamento de impostos, “são completamente proibidas de participar, direta ou indiretamente, ou de intervir em qualquer campanha política em favor ou oposição a qualquer candidato para cargos públicos eletivos”.

Assim, entidades que recebem isenção fiscal não podem doar recursos para campanhas e nem mesmo defender o voto em alguns candidatos. Igrejas podem apenas fazer atividades políticas de caráter geral, como educação de eleitores e campanha para participação eleitoral (nos EUA o voto não é obrigatório). Líderes religiosos podem falar de forma genérica sobre questões sociais e políticas, mas sem citar nomes ou preferências partidárias.

Religião nos EUA

Apesar de ser um país laico, os Estados Unidos têm forte tradição protestante — o juramento do presidente é feito com a mão sobre a Bíblia e não sobre a Constituição —, e grupos mais radicais têm crescido, afirmando que os valores cristãos são valores americanos, sobretudo evangélicos contra o aborto e o casamento gay. Algumas igrejas já têm defendido o nome de candidatos nas eleições e sofrem ações tributárias por isso.

Robert Watson, professor de Estudos Americanos da Lynn University, na Flórida, afirma estar chocado com a proposta. Ele diz nunca ter pensado que viveria para ver o fim da Emenda Johnson — para ele, elemento fundador da democracia americana:

Muitas igrejas, especialmente as evangélicas, têm enormes orçamentos, grandes congregações, e são muito conservadoras politicamente. Trump e os republicanos estão dispostos a destruir o elemento-chave e fundador do sistema americano para ganhar dinheiro, literalmente, em doações de campanha e nas urnas. É algo chocante.

Robert Watson professor de Estudos Americanos da Lynn University, na Flórida

Watson conta que mesmo antes da emenda a separação entre Igreja e política sempre foi algo vital nos EUA, um dos primeiros países do mundo a criar um forte muro entre as duas instituições. A emenda veio apenas aclarar as questões financeiras e, desde então, virou um marco. O professor lembra que o fim da emenda é um sonho crescente dos republicanos.

Conservadorismo

Desde a chegada de Barack Obama à Casa Branca, em 2009, os ultraconservadores se organizaram no Tea Party, movimento que defende valores evangélicos tradicionais e que cada vez mais elege representantes. Um de seus principais líderes é o senador texano Ted Cruz, que foi o último pré-candidato a ser abatido por Trump nas primárias e que sempre cita Deus e faz orações antes de seus discursos.

Mesmo não sendo muito religioso, Trump conquistou o apoio de vários grupos ao se posicionar contra o aborto. Ele chegou a sugerir na campanha que as mulheres que realizassem aborto sofressem algum tipo de punição.

Trump está apenas pagando o apoio que recebeu de grupos religiosos, sobretudo os evangélicos. Ele não é religioso, mas se apoia nestes eleitores, que estavam assustados com as políticas progressistas de Barack Obama.

Erick Langer professor de História da Georgetown University, em Washington

Vice-presidente

Mas seu governo está cheio de pessoas com forte apelo religioso. Mike Pence, o vice-presidente, foi o primeiro membro de alto escalão do governo federal a participar de uma marcha contra o aborto — legalizado nos Estados Unidos desde 1973 por decisão da Suprema Corte.

Quando era governador de Indiana, Pence editou uma série de leis que restringiam o procedimento e permitiam que empresas se recusassem a vender produtos para homossexuais, mas teve que voltar atrás devido à pressão social e de grandes empresas.

O professor de História da Georgetown University Erick Langer acredita que a mudança, quando de fato for proposta por Trump, vai gerar muito debate e deverá acabar chegando à Suprema Corte.

“Neste caso, acredito que haja poucas chances de a Emenda Johnson ser derrubada.Vale lembrar que dos atuais oito membros da Suprema Corte, nenhum é protestante ou evangélico, ou seja, são de minorias religiosas nos EUA”, conta o professor, lembrando que na instância máxima do Judiciário americano estão hoje cinco católicos e três judeus; Neil Gorsuch, indicado por Trump para a Corte, frequenta uma igreja episcopal.

Segundo ele, se passar, a influência religiosa no governo poderá ser maior da vista atualmente na América Latina. Mas o professor lembra que, apesar da força destes grupos, há poucos pastores, padres ou rabinos em cargos políticos. Até agora.

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