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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Há tempo que a sociedade de consumo supervaloriza os adolescentes. Mas por que a geração teen tem tanta importância nos dias de hoje? Basicamente são duas as razões.

A primeira é que eles têm muita facilidade em navegar na internet. Assim, a chamada “geração Z”, pessoas que nasceram após o boom da internet (pós-anos 90), sabe melhor que ninguém fazer compras no mercado eletrônico, baixar aplicativos e acessar os tão propalados produtos disruptivos (Uber, Netflix, AirBNB, Spotify, sites de relacionamento).

A segunda razão da valorização do adolescente se explica por sua própria faixa etária. Nesta idade (dos 13 aos 23 anos) somos todos muito sinceros e impulsivos. Desejamos muitas coisas ao mesmo tempo. Eis o trinômio perfeito para os marqueteiros testarem seus novos produtos: desejo + sinceridade + impulsividade. Assim, se os novos brinquedinhos eletrônicos forem aprovados pelos teens, o produto “vai pegar” e irá vender em larga escala. Se os adolescentes os rejeitarem, esqueça. Exemplos disso foram o walkman, iPod, orkut, MSN, smartphones, Facebook e a própria Netflix.

Vale dizer: os adolescentes são valorizados pelo mercado porque ditam as tendências do consumo global! Quer maior poder que isso? Vejam quantos comerciais televisivos são dirigidos a partir deles.

Ocorre que esses mesmos jovens, poderosos perante o mercado capitalista, são imaturos por natureza. Em uma expressão vulgar: são uns “porra-loucas”. E a explicação para isso é biológica, na medida em que o nosso lobo frontal, responsável pela organização cognitiva, atinge sua maturidade perto dos 23 anos de idade. Logo, até lá o jovem terá muitos desejos e pouquíssimo juízo. Some-se a isso a explosão do hormônio sexual, que provoca uma carência momentânea de sinapses (conexões entre os neurônios), implicando certa confusão das ideias. Não por acaso, um dos personagens de Shakespeare, na peça Conto de Inverno, assim se referia a eles: “Escutai! A quem ocorreria caçar com semelhante tempo, se não a esses cérebros ferventes de 19 a 22 anos?”

Vemos hoje uma geração de jovens que não dá conta de seus desejos e demandas

Mas não é só isso. É preciso reconhecer o atual ambiente social em que vivem esses adolescentes. Inspirado na teledramaturgia e programas de entretenimento, vivemos hoje a era do escárnio e do exibicionismo. É preciso zombar do outro para se tornar popular e ficar bem na foto. A galera popular é aquela que humilha os nerds e todos os que lhes são diferentes.

A partir disso, surgem as práticas de assédio moral, bullying e ciberbullying. A própria palavra bullying vem de bully, “valentão”. E nessa toada o adolescente, perseguido pelo grupo dos valentões, tem de se esforçar para não ser estigmatizado como perdedor (loser). A sala de aula e qualquer ambiente social tornam-se, nessa conjuntura, lugares de martírio para boa parte deles. Em casa, esse mesmo jovem, imaturo e cheio de tesão, tem um mundo colorido e perigoso ao seu dispor. Refiro-me à internet, que os leva, em 10 segundos, ao céu ou ao inferno. Ocorre que o inferno sempre deu mais ibope, ficando a espiritualidade relegada a poucos interessados.

Em suma, vemos hoje uma geração de jovens que não dá conta de seus desejos e demandas. É preciso ser bom na escola, no esporte, na beleza, nos relacionamentos, na linguagem, na roupa, no cabelo..., cobram os implacáveis amigos, as enquetes e, muitas vezes, os próprios pais.

Exsurge, então, o perfil perfeito das vítimas para estratégias diabólicas, a exemplo deste jogo macabro “Baleia Azul”. Jovens suscetíveis, confusos, com cérebros ferventes e um sentimento de derrota. Diante de tanta frustração, muitos deles cedem à depressão; outros, à automutilação; e alguns, ao mórbido caminho do suicídio. Triste tempo.

Na esfera jurídica a vítima sempre poderá postular indenização por dano moral (artigo 5.º, X, da Constituição Federal) por prática de bullying, quando identificado o agente causador do sofrimento. Contudo, nenhum valor será capaz de reparar a tristeza dos que sofreram solitariamente a perseguição moral. Pior ainda é a dor de um pai ao ver o trágico fim de um filho que, desesperado, escolheu o atalho do suicídio. Mais que buscar indenização, nesse momento importa o alerta da prevenção.

José Affonso Dallegrave Neto, advogado, é mestre e doutor em Direito das Relações Sociais.
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