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Muitas são as atuais inquietudes no cenário econômico mundial. Nos Estados Unidos, vemos o retorno de uma política de expansionismo fiscal, desregulamentação no setor de crédito e de segmentos importantes como o imobiliário – que foi, como sabemos, originador da última grande crise. Na Europa, um sistema bancário frágil e descapitalizado, exposto às dívidas soberanas dos países que compõem o bloco. Este, por sua vez, combalido pela falta de políticas melhor construídas em torno do euro, promove altas taxas de desemprego em alguns países, prolonga a recessão em outros e cristaliza uma claudicante recuperação econômica no Velho Continente como um todo.

Deveria ser ainda parte deste cenário de preocupações precedentes de quaisquer outras a mixórdia geopolítica e econômica que atores e protagonistas como Coreia do Norte, Rússia e Oriente Médio provocam, não fosse um fato tão eminentemente devastador quanto a real possibilidade da eclosão de uma das mais serias crises econômicas mundiais que se avizinha. Trata-se da possibilidade iminente do estouro de uma enorme bolha imobiliária que vem se formando na China nos últimos anos.

Em relatório de pesquisa divulgado pelo Deutsche Bank, chegou-se a uma conclusão bastante preocupante: o destino da economia global pode estar nas mãos da bolha imobiliária chinesa. Como um lembrete, a bolha chinesa pode ser deflatora de uma reação em cadeia cuja dimensão analistas não saberiam dizer, mas que poderia afetar ativos da ordem de aproximadamente US$ 30 trilhões em depósitos bancários e contaminaria, ainda, outros mercados como de ações, bitcoin, commodities e ativos imobiliários.

A economia da China tem hoje uma forte demanda secundaria por imóveis

De acordo com o National Bureau of Statistics da China, o crescimento médio dos preços das propriedades em dezembro de 2016 diminuiu em 70 cidades mapeadas; no entanto, é sobre uma base anual, ponderada de população, que se obteve a primeira confirmação de que a bolha imobiliária chinesa finalmente tem chance de estourar, com base em preços aferidos em propriedades destas 70 cidades, que se apreciaram em 12,7% ao ano, sendo que a taxa de crescimento anual foi de 12,9%. Esta foi a primeira moderação no crescimento de preços de habitação ano após ano, mas com 19 meses de aceleração contínua.

Como teria a China chegado a este ponto? São muitas as respostas, dentre as quais está o efeito do rápido enriquecimento da população chinesa, que obteve valorização de US$ 24 trilhões nos imóveis em estudo de 37 cidades pesquisadas – quase o dobro da renda disponível total, de US$ 12,9 trilhões – e que retroalimentou a inflação imobiliária. De outro lado, temos o governo, com políticas monetárias desproporcionais de subsídios, baixas taxas de juros e expansionismo fiscal, além de forte resistência em reformar o sistema tributário. O setor da construção representou 33% e 15% do crescimento da receita tributária dos governos locais entre 2010 e 2015. O setor também contribuiu com 43% da receita tributária do governo local em 2015, muito superior se comparado ao da indústria, que foi de 11%. Por último, além dos impostos, os governos locais também dependem fortemente da venda de terras para financiar projetos de infraestrutura.

Com relação à oferta e demanda do setor imobiliário residencial, dados da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS) de novembro de 2015 apontam a existência de 441 milhões de metros quadrados de área bruta de piso de casas novas concluídas, mas ainda não vendidas a partir de novembro de 2015. Outro ponto significativo dos dados diz respeito aos projetos aprovados, mas não em vendas ou construídos: estima-se serem 3,6 bilhões de metros quadrados a partir de 2015, o que resultou em uma sobreoferta. As vendas anuais alcançaram cerca de 1 bilhão de metros quadrados nos últimos três anos, de acordo com dados oficiais da NBS, sugerindo que tal estoque poderia tomar cerca de até quatro anos para ser vendido.

Leia também: Pela porta dos fundos (artigo de Demétrio Magnoli, publicado em 8 de setembro de 2016)

Historicamente, o arcabouço politico-econômico do gigante asiático é formado pela ideologia comunista maoísta de economia fechada, mas que desde 1969 vem implementando uma profunda reforma de reconciliação com o Ocidente, especialmente após a morte de Mao Tsé-tung, em 1976. Principalmente por iniciativa de Deng Xiaoping, a abertura econômica vem acontecendo, ao permitir investimentos estrangeiros e incentivos ao capital privado, mas ainda sem alcançar os paradigmas de uma economia de livre concorrência, que se autorregula pela mão invisível do mercado, conforme a teoria de Adam Smith e como presume o conceito do laissez faire. Notadamente, nestes últimos 40 anos, quatro são os principais pilares ainda ausentes na economia chinesa: democracia; direito à propriedade privada; instituições independentes (transparência); e direitos humanos.

O resultado desta política governamental de Chinese wall (jargão usado para a falta de transparência nas últimas décadas e, no caso, com o mercado interno) é também causa e consequência da formulação da cultura econômica do consumidor. Para a maioria da população chinesa, as regulares inconsistências e escândalos que reverberaram dos mercados de capitais locais e a falta de instrumentos confiáveis de poupança e renda fixa tornaram o mercado imobiliário uma forma segura de investimento, seja por demanda primária (para residência) ou secundária (para investimento), seja diretamente ou através do sistema de cotas/condomínio, friends & families que se unem para comprar imóveis. Desta maneira, a economia da China tem hoje uma forte demanda secundaria por imóveis. Assim, sabe-se de da existência de estoques de edifícios residenciais desocupados, escritórios, shoppings e até cidades inteiras construídas e não ocupadas em locais que simplesmente não aconteceram e que hoje se somam ao estoque da maior bolha imobiliária da última década. Grandes desafios à frente para os mercados.

Alexandre Nigri, formado em Economia e Administração de Empresas com especialização em real estate, é CEO do Grupo Maxinvest.
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