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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Semana passada, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou os resultados de sua avaliação periódica dos programas de pós-graduação no Brasil – o famoso Qualis – referentes ao quadriênio 2014-2017. Das muitas atribuições da fundação, talvez seja a mais relevante ou, ao menos, a mais impactante delas, dado que sua missão é precisamente a “avaliação da pós-graduação stricto sensu; acesso e divulgação da produção científica; investimentos na formação de recursos de alto nível no país e no exterior; promoção da cooperação científica internacional; indução e fomento da formação inicial e continuada de professores para a educação básica nos formatos presencial e à distância”.

Das cinco metas descritas, quatro são afetadas diretamente pelo resultado da avaliação Qualis – isso porque o desempenho de um programa afeta o quinhão que receberá da Capes: quanto maior a nota, maior o repasse. Vale a pena, portanto, refletir sobre esse processo de avaliação e a forma como ele tem modelado não só a pós-graduação como todo o sistema de ensino superior brasileiro. Mais do que elogiar ou condenar esse fenômeno, cabe mostrar suas ambivalências, seus potenciais positivos e seus freios negativos. Assim, estabelecem-se as condições para um debate mais produtivo e maduro, que escapa às tentações reducionistas de julgamentos categóricos e apressados.

O sistema de pós-graduação no Brasil está consolidado e agora devemos elevar mais e mais sua qualidade.

Desde 1976, a Capes realiza as avaliações que vieram a se tornar sua principal marca. Trata-se de um processo conduzido não por quadros burocráticos, mas por pesquisadoras e pesquisadores de destaque em suas respectivas áreas do conhecimento – uma avaliação por pares, portanto. Se, por um lado, esse modelo tem a virtude de empregar o conhecimento de profissionais que vivem na pele a realidade que se pretende avaliar, por outro lado ele pode dar margem a conflitos de interesses: avaliar pior a instituição de desafetos, avaliar melhor a de amigos, proteger a própria instituição, etc. Essas distorções são minoradas pelo fato de que, ao assinar a avaliação, os pesquisadores responsáveis estão, por assim dizer, dando a cara a tapa e colocando sua reputação na reta, sob o escrutínio de seus pares.

Soma-se a isso a necessidade de se produzir um extenso parecer sobre o processo, explicitando os critérios de avaliação e consolidando um duplo diagnóstico: retrospectivo, em comparação com os resultados e a descrição do período anterior de avaliação, e prospectivo, apontando os desafios futuros para a melhoria do panorama de pós-graduação na área. Nos casos em que a comissão avaliadora é a mesma do ciclo anterior, esse documento se torna ainda mais rico: os mesmos avaliadores acabam avaliando a si mesmos em sua capacidade de prever os passos futuros e antecipar soluções para os problemas mais iminentes.

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A avaliação por pares tem também a vantagem de ser mais sensível e permeável a críticas, demandas e reivindicações da comunidade acadêmico-científica. Partilhando um cotidiano comum, avaliadores estão em constante contato direto com os profissionais que avaliam – além de fazerem parte, eles próprios, desse grupo – e, por isso, acompanham de perto e em tempo real os efeitos de seus critérios e recomendações. Um exemplo concreto disso foi a criação, em 2009, do Roteiro de Classificação de Livros. Até então, apenas publicações em periódicos pontuavam na avaliação da Capes. Considerando que a produção é um dos critérios de maior peso no processo, isso criava problemas para as áreas do conhecimento nas quais o livro é a forma mais consagrada de expressão e circulação de ideias – principal, mas não exclusivamente, nas humanidades e em algumas ciências sociais.

Naturalmente, nem tudo são flores. Muito se reclama – e com razão – da pressão produtivista exercida pela Capes, cujas fichas de avaliação tendem a favorecer quantidade em detrimento da qualidade. Há nelas uma clara inclinação para a massificação da pós-graduação no Brasil, uma tendência ambivalente: por um lado, é verdade que algumas áreas apresentam déficit de pessoal qualificado e o caminho para supri-lo passa pela ampliação da oferta de vagas e programas de mestrado e doutorado (embora haja áreas nas quais essa oferta já excede a demanda relevante); por outro lado, essa expansão acarreta perda de qualidade se não for acompanhada por um aumento mais que proporcional nos investimentos – algo impossível no Brasil de 2017-2018, ao menos politicamente impossível.

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Ainda assim, é preciso lembrar que o Brasil, um país de dimensões continentais marcado por contrastes, carece de melhor distribuição de serviços e infraestrutura. Na ciência e na educação superior, a oferta está bastante concentrada no eixo Sul-Sudeste, embora haja centros de excelência nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – em menor número. Interiorizar e equilibrar a distribuição da rede de pesquisa no país é imperativo, portanto; o impacto no desenvolvimento local será imenso.

No cômputo geral, o saldo da atuação da Capes tem que ser positivo. Levando em consideração que a pós-graduação no Brasil só passou a existir no início dos anos 1970, e que nossa história universitária é bem mais recente do que aquela de outros países latino-americanos – como Argentina, México e Peru, por exemplo –, é preciso reconhecer o quanto fomos capazes de evoluir em menos de cinquenta anos, bem como o quanto ainda temos que melhorar pela frente. A Capes tem sido essencial nesse processo, fortalecendo a autonomia de cada área do conhecimento na elaboração de seus parâmetros de qualidade e garantindo o acompanhamento e o aperfeiçoamento contínuo da avaliação no país.

Evidência disso é a progressiva melhora do desempenho dos programas ao longo dos ciclos. O Nexo Jornal apresentou uma reportagem com gráficos comparando as notas distribuídas em cada avaliação, por meio da qual se constata o grande crescimento de programas com conceito 4 (bom) na escala de 1 (fraco) a 7 (excelência em padrão internacional). Os conceitos mais elevados – a partir de 5 – continuam menos frequentes, o que indica o desafio presente: o sistema de pós-graduação no Brasil está consolidado, agora devemos elevar mais e mais sua qualidade.

Rafael Barros de Oliveira é graduado em Filosofia e Direito pela USP, mestrando em Filosofia pela USP e colunista do Terraço Econômico.
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