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 | Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo

Há um forte mal-estar nas diferentes democracias pelo mundo. Isso advém de um profundo descompasso, sendo eufemístico, na relação entre representados e representantes, gerando assim uma grave crise de representatividade. Perceber essa questão como algo individual a cada país é ter a atenção desviada do essencial – o que está em crise pelo globo é a própria democracia, pelo menos como a praticamos atualmente. Superar esse mal-estar é perfeitamente possível. Para ir nessa direção, por mais inusitado que possa soar, é preciso aprender com o teatro.

A democracia é uma ideia no mínimo radical, e ainda bem que ela assim é. Pensar que cada indivíduo tem o direito de opinar sobre os seus destinos políticos, independentemente de sua religião, cor, gênero, posses, posição social e assim por diante é um grande alento considerando a gestão da política em termos históricos. Porém, ao longo do tempo, a democracia parlamentar, que é como em geral a democracia é exercida pelo mundo, foi deixando alargar a distância entre representantes e representados. Hoje, para o cidadão comum, decidir seu destino político resume-se basicamente a apertar duas teclas e o botão confirma.

É preciso caminhar para uma democracia de maior intensidade

Como resultado, percebe-se na democracia hoje o que o teatro designa por “quarta parede”. Normalmente, uma cena teatral ocorre entre quatro paredes: os fundos, duas paredes laterais e uma quarta parede. Esta expressão teatral nomeia a parede invisível e imaginária que separa atores e plateia, o universo das personagens da vida real e, em última análise, a ficção e a realidade. É o não contestar a existência desta quarta parede que faz com que a plateia simplesmente assista à cena sem interferir; e mais: que os atores performem como se aquela ali não estivesse presente.

Bertolt Brecht, dramaturgo alemão, revolucionou o teatro ao quebrar esta quarta parede cênica, interagindo com a plateia, fazendo-a inclusive parte da cena e, assim, membro ativo da experiência teatral. O mesmo precisa ocorrer com a democracia. Não se trata de acabar com a democracia parlamentar, longe disso. Contudo, é preciso que os cidadãos deixem de ser tratados como meros espectadores do processo democrático e que a interação vá para além do vaiar e aplaudir o espetáculo. É preciso quebrar a quarta parede da democracia.

Um caminho é democratizar a democracia abrindo-se mais espaços para que os cidadãos, enquanto indivíduos, possam diretamente decidir questões ligadas às suas vidas. No passado, a dificuldade para ter várias pessoas em um único local debatendo era enorme. Contudo, hoje há tecnologia disponível para que milhões reúnam-se, discutam e votem sobre temas dos seus interesses. Cada pessoa com um celular ou acesso a um computador, por exemplo, tem uma urna de votação em potencial nas mãos.

É preciso caminhar para uma democracia de maior intensidade. Mais abertura à participação cidadã certamente resultaria em uma alocação e execução de recursos mais condizente com as necessidades e anseios da população. Ao contrário de outros regimes políticos, crises na democracia superam-se somente com mais democracia.

Ramon Blanco e Felipe Almeida, respectivamente doutor e mestre em Relações Internacionais, são professores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
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