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Quando Tailyn Wang, uma peruana de 34 anos que vivia na Cidade do México, ouviu uma batida forte na porta de sua casa durante a madrugada, nunca imaginou a horrenda cadeia de eventos que se seguiriam. Eram 4 da madrugada de sexta-feira, 7 de setembro de 2014, quando cinco oficiais da polícia federal mexicana forçaram a entrada em sua casa. A dona de um restaurante e mãe de três filhos estava deitada na cama com seu marido; os filhos dormiam no quarto ao lado.

“Tiraram minha roupa me tocaram. Um homem subiu em cima de mim em minha cama, me batia, eu sentia suas mãos em meu peito. Me chamava de p..., de vadia’. Meu marido gritou ‘Não batam nela, está grávida’, mas eles nem ligaram”, disse-me Tailyn.

Entre gritos de terror, a polícia a levou, junto com seu marido. Não havia mandado de prisão, não deram explicação nenhuma. Tailyn contou como foi empurrada para dentro de uma caminhonete enquanto os policiais a batiam no estômago. Levaram-na a um grande estacionamento com celas.

Ali, a tortura continuou. “Disseram que iam buscar meus filhos. ‘Você vai cooperar, sua filha da p...’, gritavam. Tocaram-me nas partes íntimas e me disseram que estavam esperando que meus filhos chegassem para, então, me violentar”. Depois de três ou quatro horas, ela foi levada ao escritório da Subprocuradoria Especializada em Investigação do Crime Organizado. Durante quatro dias, os oficiais tentaram forçá-la a contar que estava envolvida em atividades criminosas.

Apesar de haver mais de 2 mil denúncias de tortura no país, as autoridades mexicanas levam menos de cinco casos aos tribunais anualmente

Durante esse período, levaram-na para ver uma médica do governo. Apesar de seus ferimentos, Tailyn disse que a doutora se recusou a examiná-la, ignorando sua denúncia de que tinha sido brutalmente agredida. “Não, não, não bateram em você”, disse a médica.

Depois do “interrogatório”, Tailyn foi levada a um escritório onde lhe pediram que assinasse uns papéis em branco. “Eu me recusei a assinar, e então um homem ameaçou machucar meus filhos. Eu olhei nos olhos dele e disse ‘meus filhos estão seguros porque estão com Deus’, e ele respondeu ‘depois de tudo isso, você ainda acredita em Deus?’”

De volta à cela, Tailyn, que estava grávida de aproximadamente sete semanas, começou a sangrar muito. “Vi que saíam grandes coágulos de sangue, e por uns momentos fiquei inconsciente, não sei quanto tempo. Continuava sangrando e, quando estava deitada em uma cama de metal, vi que o feto saiu com um monte de sangue. Outras detentas ao meu lado começaram a gritar. Uma autoridade do governo veio ver o que acontecia. ‘É um tremendo show’, disse”. Ninguém a ajudou. Em vez disso, deram-lhe umas toalhas de papel antes de escoltá-la e levá-la a um avião comercial com destino a uma prisão federal. Quando o avião chegou à cidade de Tepic, no noroeste do México, o assento estava cheio de sangue. Tailyn disse aos policiais que tinha perdido um bebê. Eles apenas gritaram com ela.

Só então, na cadeia, dias depois de sua prisão, que ela soube que a estavam acusando de ser parte de uma quadrilha de sequestradores e de envolvimento com o crime organizado. Sangrou por mais cinco dias na cadeia até que lhe dessem atenção médica.

Tailyn me contou sua história sob o sol inclemente da prisão federal onde está detida. O lugar é famoso por abrigar pessoas que, como ela, foram presas sem motivo. Várias mulheres com quem falei na prisão federal de Tepic também foram torturadas: agredidas, asfixiadas e até violentadas, mas nenhuma das pessoas responsáveis por esses horrores enfrentou a Justiça.

A tortura no México é um vírus de proporções alarmantes. Apesar de haver mais de 2 mil denúncias de tortura em seus arquivos, as autoridades federais levam menos de cinco casos aos tribunais anualmente. Depois das campanhas da Anistia Internacional e dos esforços de outras organizações mexicanas de direitos humanos, o presidente Enrique Peña Nieto prometeu que, nas próximas semanas, encaminharia ao Congresso um projeto de lei contra a tortura. Enquanto esse pode ser, sem dúvida, um passo importante, se não houver uma mudança cultural em relação ao uso reiterado de tortura e outros maus-tratos por parte da polícia e outras forças de segurança, a lei será inútil para os milhares de vítimas de tortura no México.

Ao longo da última década, a Anistia Internacional registrou muitos casos como o de Tailyn, em que os médicos oficiais simplesmente ignoram denúncias de tortura e maus-tratos e não examinam corretamente as vítimas, nem anotam suas lesões – evidência crucial na hora de levar os torturadores ao banco dos réus. E mesmo quando os especialistas forenses investigam e encontram evidências de torturas e maus-tratos posteriormente, as autoridades mexicanas seguem negando os fatos.

Se a lei não ataca essa cultura de impunidade e não melhora a forma de documentar as torturas e maus-tratos, milhares de vítimas continuarão a ser ignoradas e abandonadas sem esperança de justiça e compensação.

Uma boa lei geral sobre tortura pode mudar isso, mas apenas se for uma lei adequada. Qualquer coisa a menos será apenas um monte de palavras no papel. Como me disse uma vítima de violência sexual, “ouço no rádio que há muitas reformas, mas de que me servem? Em que me beneficiam?”

Madeleine Penman é pesquisadora sobre o México na Anistia Internacional. Tradução: Marcio Antonio Campos
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