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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Nossa sociedade é baseada em ciência, tecnologia, finanças e liberdade, qualquer pessoa que não tenha conhecimento mínimo sobre essas áreas está em desvantagem. E esta é a realidade de muitos brasileiros. O Brasil é um dos poucos países em que o QI médio parece estar diminuindo, segundo pesquisas da UFRGS e da Universidade de Viena, que apontam para a qualidade do ensino nas escolas brasileiras como causa desta redução. Uma rápida comparação do currículo brasileiro com o de países desenvolvidos evidencia a diferença, levando-nos a aceitar a possibilidade de que nossa educação está a se degradar e, com ela, nossa cultura.

Além do desempenho acadêmico, há outros motivos para preocupação com a redução no QI e enfraquecimento do ensino e da cultura, motivos que nos recordam da razão pela qual valorizamos a educação: a ignorância limita, o conhecimento gera possibilidades.

Assim, argumentarei a favor de dois pontos: primeiro, a falta de letramento científico na população impede a clara distinção entre ciência legítima e pseudociência, tornando mais comum o uso de apelos à autoridade, uma das treze falácias clássicas descritas por Irving Copi em Introdução a Lógica de 1978. Em segundo, a falta de conhecimento da ética leva as pessoas a aceitarem mais facilmente a autoridade por não compreenderem a origem das leis, dos direitos e dos deveres existentes em nossa sociedade.

Juntos, esses pontos criam um enfraquecimento cultural que pavimenta o caminho para que os piores cheguem ao poder. Aqueles que estão dispostos a fazer o que a maioria de nós não aceitaria: deixar a compaixão e o altruísmo de lado para usar o conhecimento que falta à maior parte da população para arquitetar manipulações, como acontece em esquemas de corrupção.

A falta de conhecimento da ética leva as pessoas a aceitarem mais facilmente a autoridade por não compreenderem a origem das leis

As leis surgem, em parte, da cultura de um povo, mas quando não compreendemos o conteúdo das leis não temos ferramentas para impedir a criação de leis ineficientes ou injustas, que infringem direitos naturais e direitos civis.

Para compreender esse processo é preciso entendimento da argumentação científica e das posições envolvidas. Quando crescemos sem exercitar a argumentação, deixamos de aprender algo importante sobre como desenvolvemos a cultura e esta cultura se efetiva em tradição. É comum se falar do “jeitinho”, mas, em ética, entendemos que isto não significa que todos os brasileiros são corruptos, e sim que a cultura brasileira é permissiva com a infração. A consequência é, por exemplo, a tradição da corrupção política.

O padrão da ciência é o conhecimento gradativo, a revisão das hipóteses, melhoria das teorias e procedimentos, mas não é fácil de comunicar ao público geral, especialmente quando este público se encontra em situação vulnerável, nas relações de saúde, na relação com a autoridade estatal, com baixos níveis de letramento científico.

Assim, não sabemos como exigir justificativa adequada para compreender o que nos estão propondo e não conseguimos nos defender daqueles que procuram nos manipular, da mesma forma que alguém que não conhece o mínimo da lei pode ser mais facilmente enganado por um advogado mal-intencionado do que alguém que conhece a lei e quem não sabe como nosso corpo usa nutrientes pode gastar mais dinheiro em suplementos sem que sejam úteis à sua saúde. Um bom exemplo foi o uso do óleo de peixe que podemos conferir no livro Ciência Picareta de Ben Goldacre (2015).

Nossas convicções: O poder da razão e do diálogo

Leia também: Ensino a distância, solução para a educação brasileira (artigo de Luiz Borges da Silveira, publicado em 21 de outubro de 2017)

Desconfia-se do médico, mas confia-se no curandeiro das soluções fantásticas e no político que promete o que não pode cumprir. Isso por não termos o conhecimento para perceber as falhas na argumentação. Ao mesmo tempo, não percebemos o rigor com que algumas áreas devem ser conduzidas.

Não existe algo como um código de conduta ou comitê de ética dos curandeiros que se constitua para evitar abusos. Quanto aos políticos, existem tais mecanismos, mas o desrespeito e a infração têm se tornado a regra, de tal modo que a população está dessensibilizada e não faz ideia de como reagir.

Códigos de ética, comitês, declarações de Helsinki e Genebra, código de Nuremberg, são todos mecanismos legados a nós pelo desenvolvimento da ética com a finalidade de garantir a confiabilidade, prevenir abusos e proteger os envolvidos nas práticas clínicas e de pesquisa científica. São avanços frequentemente desconhecidos do público, e mesmo de alguns profissionais, que garantem a proteção e a defesa dos indivíduos.

Revisão pelos pares, validação de testes, revistas científicas especializadas e organizações dedicadas à ciência existem para garantir o avanço científico rigoroso e separar ciência de pseudociência.

Se não conhecemos o funcionamento de tais mecanismos e da ciência que fundamenta nossa sociedade, ficamos à mercê de pessoas mal-intencionadas o tempo todo, desde a consulta de rotina até a política internacional.

Ensinar a estrutura e funcionamento da ética e reforçar a importância do conhecimento científico, não apenas nas escolas, mas na cultura, nos meios de comunicação, irá prover as ferramentas para o brasileiro reagir à corrupção.

Se valorizamos a ação livre, pautada pelo direito à liberdade, direito natural reforçado pela Constituição, devemos estar informados a fim de poder afirmar com certeza que nossa ignorância em um tópico não foi motivadora de manipulação por parte de terceiros ou de decisões impensadas que não manifestam nossa verdadeira vontade.

Willyans Maciel é professor de Ética e Bioética do TECPUC, mestre em Filosofia da Ciência pela UFPR, com formação complementar em Bioética (Georgetown University).
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