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Gostaria de ser menos amargo, mas as coisas que acontecem no Brasil não permitem. Este é um país alucinatório, sem afirmar nenhuma novidade, e se chega a duvidar que possa, um dia, tomar jeito. Eu, pelo menos, não vislumbro, em meu horizonte de vida, essa possibilidade, mas isto não me autoriza a desistir e sigo na resistência, modesta, eu sei, de acordo com minha capacidade e meios, mas sempre resistência. É o dever se sobrepondo à desilusão. Dito isto, vamos aos fatos.

O sujeito acaba envergonhado em cantar o Hino Nacional, com sua letra carregada de estremecido amor à pátria

A imoralidade mais recente, entre tantas, que vai tomando conta do Brasil é o auxílio-moradia à custa do erário, e nada consegue deter esse cancro moral, porque se manifesta encapsulado numa substância denominada direito, que o imuniza contra qualquer terapia.

Pois assim é. Pode faltar – e falta – dinheiro para tudo mais que o Estado tem obrigação de oferecer aos brasileiros. Para pagar professores e melhorar a educação, por exemplo, para a segurança e combate ao crime, para a saúde pública etc., mas não falta para engordar a já apreciável remuneração dos privilegiados da pátria. Em suma, o benefício é indefensável. Não há justificação que o salve. Mas é claro que os doutores sempre capricharão na linguagem, no manejo das palavras, para defendê-lo e justificá-lo sem nenhum pudor e sem temor de ofender a inteligência e dignidade do povo. Eles, os bacanas da pátria, perderam completamente o respeito pelo cidadão brasileiro e avançam com soberba e desassombro sobre o dinheiro público.

A verdade, porém, é que, por mais e melhor que argumentem (os argumentos desfiados até agora foram de inominável desfaçatez e escárnio e certamente não surgirá nenhum minimamente aceitável), a definição para o auxílio-moradia é uma só: vergonha! Indecência que deveria corar os beneficiados e ser recebido escondido, em absoluto sigilo, na calada da noite e em algum terreno baldio, bem longe dos olhos do restante da população deste maltratado e saqueado Brasil.

E como ficamos? Bem, creio que todos os demais funcionários públicos devem pleitear o benefício. Ora, se o juiz, desembargador, promotor público, conselheiro de tribunal de contas, deputados têm direito a ele, por que não o professor? Ou o delegado? Ou os policiais civis? Ou os militares? Por que o assalto seletivo? Que todos participem do festim, é de justiça. Falta verba? Então é justo que ninguém receba o auxílio. Imoralidade, sim, mas com isonomia!

Por fatos como esse é que o patriotismo não resiste. O sujeito acaba envergonhado em cantar o Hino Nacional, com sua letra carregada de estremecido amor à pátria. Pois de que amor ele trata exatamente? Será o amor que a casta dos poderosos da nação exprime diante de seus contracheques de pagamento cada vez mais gordos? Que os corruptos transpiram na emoção de embolsar o dinheiro sujo? Que exalam os que desfrutam de impunidade garantida por meio de advogados caros e espertos e permissividade legal?

É, meu amigo, está mais fácil para o brasileiro emocionar-se com o hino do seu clube de futebol. Mas, um dia, o povo, cansado do desrespeito, sairá às ruas movido, aí, sim, pelo verdadeiro amor à pátria.

Cardoso Filho é escritor e cronista.
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