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| Foto: Jerry Barocas/Free Images

Em um momento particularmente difícil, alguns anos atrás, depois de chegar, sem amigos e solitária, do Reino Unido para viver nos EUA, decidi baixar um “aplicativo de felicidade” no meu celular – mas, por incrível que pareça, foi difícil escolher um. Havia quase mil opções prometendo satisfação eterna na loja virtual: os que ensinam a meditar ou a ser grato, os que enviam montagens de fotos de pôr do sol e cachorrinhos ou de poses para lá de lisonjeiras do parceiro (dando-lhe um momento para ignorar temporariamente o fato de seu parceiro de verdade ser bem menos atraente).

O que eu acabei escolhendo me mandava uma mensagem, mais ou menos de hora em hora, com uma afirmação positiva que eu supostamente deveria repetir para mim mesma, inúmeras vezes, como “Eu sou bonita”, ou “Eu me basto”. O problema era que, toda vez que meu telefone tocava me alertando da chegada da mensagem, eu dava um pulo pavloviano de animação, pensando que uma pessoa de verdade estava tentando entrar em contato comigo. “Eu me basto”, rosnava, amarga, ao perceber a verdade, incapaz de me livrar do sentimento de que, sem amigos, nem comunidade, eu não me bastava.

“A felicidade vem de dentro”, diria a foto de cartão-postal inspiradora no meu perfil do Facebook, alguns dias depois, a fonte branca de meme destacada contra a imagem de uma mulher contorcida em uma posição de ioga tão tortuosa que parecia que estava investigando seu íntimo – literalmente –, na tentativa de encontrar a alegria dentro de si.

Depois de ter passado os últimos anos fazendo pesquisa e escrevendo um livro sobre felicidade e ansiedade nos EUA, notei que esse tipo específico de conselho – que coloca a busca pela satisfação como uma missão interna, pessoal, totalmente isolada das outras pessoas – vem se tornando cada vez mais comum. Algumas variações incluem: “A felicidade é determinada não pelo que acontece à sua volta, mas dentro de você”, “A felicidade não deve depender dos outros”, e “A felicidade é um trabalho interno”, otimista e popular nas redes sociais. Um e-mail que recebi de uma mala direta de autoajuda reforçou ainda mais a ideia com a criação da palavra para lá de exagerada “na direção interior” (quando bati o olho no título na caixa de entrada, por um momento achei que fosse anúncio de um restaurante que trabalhasse só com miúdos).

Se quisermos ser felizes, devemos ter como objetivo passar menos tempo sozinhos

Em uma cultura individualista movida pela autoatualização, a ideia de que a felicidade deve ser trabalhada de dentro para fora, e não ao contrário, aos poucos vai adquirindo o status de clichê. É a felicidade descrita como jornada de autodescoberta, e não consequência natural do engajamento com o mundo; uma felicidade que enfatiza a independência emocional em vez da interdependência, que se baseia na ideia de que a satisfação significativa só pode ser encontrada através da exploração total da individualidade, com um mergulho profundo na porção mais íntima de nossa alma e nas complexidades e gatilhos de nossa própria personalidade. Primeiro passo: descubra-se. Segundo passo: seja você mesmo.

A filosofia isolacionista não está se revelando apenas na forma com que muitos norte-americanos falam sobre a felicidade, mas na maneira como passam seu tempo. O pessoal que estuda essas coisas notou um aumento significativo nas “buscas pela felicidade” solitárias, ou seja, atividades realizadas na mais completa solidão ou por um grupo sem interação, com o objetivo explícito de manter o sujeito preso na experiência emocional particular.

A prática espiritual e religiosa está lentamente mudando de iniciativa comunitária para individual, com retiros de meditação silenciosa, aplicativos de atenção plena e aulas de ioga substituindo atividades sociais paroquiais e a adoração coletiva. A indústria da autoajuda – com seu princípio básico de que a busca pela felicidade deve ser uma empreitada individual, voltada para dentro – está bombando, com os norte-americanos gastando mais de US$1 bilhão por ano em livros que os ajudem no direcionamento de suas buscas internas. Enquanto isso, o “autocuidado” se tornou a nova saída do armário.

Acontece que, quanto mais ênfase colocam na busca pela felicidade dentro de si mesmos, os norte-americanos em geral estão gastando cada vez menos tempo se relacionando com os outros. Quase metade de todas as refeições feitas neste país agora acontecem a sós. Adolescentes e jovens millennials estão passando menos tempo “curtindo” com os amigos do que qualquer outra geração na história recente, substituindo a interação do mundo real pelo smartphone.

Leia também:Reclamar é estar vivo (artigo de Samantha Irby, publicado em 29 de outubro de 2017)

E não são só os jovens: a Pesquisa de Uso de Tempo da Agência de Estatísticas de Trabalho mostra que o norte-americano médio hoje gasta menos que quatro minutos por dia “oferecendo e comparecendo a eventos sociais”, categoria que inclui todos os tipos de festas e outras ocasiões sociais organizadas. Isso dá 24 horas por ano, o que mal inclui o jantar do Dia de Ação de Graças e a festa de aniversário dos próprios filhos.

Os mesmos dados também são utilizados em outra categoria, mais ampla, a de “socialização e comunicação”, designação que inclui não só a parte boa – o namorico com o cônjuge adorado ou o bate-papo para encontrar a salvação do mundo com um amigo querido com uma garrafa de vinho –, mas toda e qualquer socialização e comunicação entre dois adultos quando uma dessas duas for a atividade principal e não decorrência de outra coisa, como o trabalho. No geral – e incluindo as doses diárias de aborrecimentos, brigas e reclamações – o norte-americano médio gasta pouco mais de meia hora diária com a comunicação social. Agora compare esse número ao de horas gastas vendo televisão (três) ou mesmo “se cuidando” (uma hora para as mulheres, 44 minutos para os homens).

Autorreflexão, introspecção e algum grau de solidão são partes importantes de uma vida psicologicamente saudável, mas em algum ponto no meio do caminho parece que perdemos esse equilíbrio – porque longe de confirmar nossa insistência em afirmar que “a felicidade vem de dentro”, um corpo robusto de pesquisas nos diz exatamente o contrário.

Os estudos acadêmicos a respeito da felicidade estão cheios de anomalias e contradições, mais revelando as intenções e os valores de quem os conduz do que a realidade das emoções humanas. Mas, se há um ponto em que virtualmente todas as análises sobre a natureza e a causa da felicidade humana concordam é que a nossa depende de outras pessoas.

Luiz Felipe Pondé:Uma fisiologia do desapego (30 de outubro de 2017)

Estudos e mais estudos mostram que os relacionamentos sociais de qualidade são os indicadores mais fortes e mais consistentes de uma vida satisfatória, chegando até a se referir a eles como “condição necessária” à felicidade, ou seja, dando a entender que não podemos ser felizes sem eles. Essa é uma conclusão que ignora raça, idade, gênero, renda e classe social em uma proporção tão grande que praticamente anula todos os outros fatores.

E, de acordo com as pesquisas, se quisermos ser felizes, devemos ter como objetivo passar menos tempo sozinhos. Apesar de dizerem ansiar pela solidão ao serem perguntadas em termos abstratos, quando questionadas aleatoriamente, praticamente todas as pessoas se disseram mais contentes quando estão em um grupo do que sós. E a surpresa aí foi que essa afirmação não é válida só para aqueles que se consideram extrovertidos, mas também se mostra forte para os que se veem como introvertidos.

E elas vão além, dizendo que negligenciar nossas relações sociais é, na verdade, um perigo para a nossa saúde. Estudos mostram que a falta de conexão social implica em um risco de morte prematura que se compara ao do fumo e é duas vezes mais perigoso para a saúde que a obesidade. A coisa mais importante que podemos fazer pelo nosso bem-estar não é “nos encontrarmos” ou “nos voltarmos para dentro”, mas sim investirmos mais tempo e energia possíveis alimentando as relações que temos com as pessoas que fazem parte da nossa vida.

Considerando tudo isso, da próxima vez em que tiver de decidir entre meditar e se sentar em um bar com os amigos para reclamar da aula de meditação, talvez você deva pensar seriamente na segunda opção, não importando o que diga seu aplicativo da felicidade.

Ruth Whippman é autora de “America the Anxious: how our pursuit of happiness is creating a nation of nervous wrecks”.


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