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 | Beto Barata/Presidência da República
| Foto: Beto Barata/Presidência da República

A Filosofia Constitucional propõe a análise do constitucionalismo, da Constituição e do Direito Constitucional, tendo em vista a equação de dois elementos fundamentais que invariavelmente estão em constante tensão: o exercício do poder pelo Estado e o projeto de felicidade, individual e coletivo, dos governados.

O uso excessivo, ilimitado, irresponsável, violento e autoritário ao longo da história do mundo ocidental modelou, ironicamente, os alicerces constitucionais do Estado de Direito da modernidade. Os abusos do poder político contrariavam a harmonia com os anseios de felicidade e de vida boa idealizados pelos súditos. Neste contexto, a Filosofia Constitucional tenta traçar fronteiras bem definidas para que esse exercício de poder não ultrapasse os limites do razoável e macule os projetos pessoais e coletivos de felicidade. Aliás, os projetos de busca da felicidade, na contemporaneidade, podem ser contemplados a partir de três perspectivas, as quais ainda se submetem à arena do embate ético, ideológico, social, econômico e jurídico.

O primeiro, sustentáculo do pensamento liberal, de cariz racional-individualista, dominou o cenário europeu desde os estertores do século 18 até meados do 19, quando, propugnando pelo absenteísmo do Estado nas relações sociais, deixou a cargo do indivíduo a liberdade de escolha da própria felicidade. A liberdade, aqui, é a condição de possibilidade para atingi-la.

Ideais democráticos nem sempre se confundem com a vontade da maioria

No entanto, a partir da segunda metade do século 19, uma nova visão de mundo, insuflada pelas desigualdades sociais crescentes, geradas pela Revolução Industrial e pela acentuação do modelo econômico capitalista, bem como pela forte influência da doutrina socialista-marxista, muda o eixo em torno do qual orbitava a questão da felicidade, cujos ideais sofreram considerável modificação na medida em que a missão do Estado, de mero assistente passivo das relações individuais, passou a ter nelas uma maior inflexão, de modo que interferiu sensivelmente no mundo do trabalho e na implementação de direitos sociais básicos, como saúde, educação e previdência social. A felicidade, portanto, começou a ser tratada também sob o ponto de vista coletivo. A igualdade material, neste caso, representa o “princípio soberano”, por meio do qual se atinge, então, esta felicidade coletiva.

Por fim, após o fim da Segunda Guerra Mundial, não obstante o fortalecimento do Estado de bem-estar social, designadamente na Europa Ocidental, outros desafios foram colocados na agenda global: temas relativos à paz, ao ambiente saudável e equilibrado, à cidadania, à democracia, à dignidade, a direito à diferença e à informação formam, agora, o ambicioso catálogo de reivindicações tendentes a efetivar o conceito de felicidade, ancorando-se na noção de culturalismo. A solidariedade, então, é alçada ao estatuto constitucional, pois consegue importante proeminência nos debates envolvendo o constitucionalismo, a Constituição e o Direito Constitucional.

Essa evolução, do liberalismo clássico ao culturalismo atual, passando pelo coletivismo do Estado de bem-estar social, não teve o condão de sobrepujar uns em detrimento dos outros. Pelo contrário, as três vertentes coexistem e coabitam no mesmo teto constitucional, mediadas, porém, por um sistema que, ao que parece, se mostrou muito eficaz na solução desse conflito político e ideológico: a democracia.

Nossas convicções:O valor da democracia

Nossas convicções:Os limites da ação do Estado

Na verdade, a democracia seria, na realidade política ocidental, o espaço público em que as diferentes concepções de mundo se enfrentam e cujas decisões, dialógica e dialeticamente, são tomadas em favor da paz e da coesão social, com respeito e tolerância às instituições e aos demais participantes do conflito argumentativo.

Deve-se ter a consciência, todavia, de que ideais democráticos nem sempre se confundem com a vontade da maioria. Decisões razoáveis e justas na proteção dos direitos fundamentais de grupos minoritários, por exemplo, são tomadas em detrimento da maioria, sem que haja violação aos pressupostos democráticos elementares, harmonizando-se com os postulados da solidariedade e do pluralismo, mediante os quais essas decisões se tornam perfeitamente legítimas, do ponto de vista jurídico, político e filosófico.

A democracia, portanto, não seria um fim em si mesmo. Seu conceito matiza-se no tempo e no espaço, assumindo formas muito peculiares, de acordo com os objetivos arquitetados pelos participantes de uma comunidade política em especial. Ela é instrumento relevante para que se concretizem certos ideais de felicidade e de vida boa propostos por uma determinada sociedade.

Marcos Antônio da Silva é mestre em Direito.
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