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Passadas duas semanas, o tema das manifestações de março ainda é um desses que o momento nos impõe. De fato, após décadas adormecida, a sociedade se mostra mais uma vez ciente do seu dever de cobrança e repúdio às práticas da administração pública. Diferentemente das manifestações de junho de 2013, que eram difusas e, por causa disso, foram sabotadas, as do dia 15 tinham o seu alvo: a corrupção e a ineficiência dos governos, incluindo tudo que se relaciona com o bem público.

Quem acompanhou, por exemplo, o depoimento de Pedro Barusco à CPI deve ter ficado enojado. Funcionário da estatal com salário de R$ 1,2 milhão por ano, Barusco acumulou em alguns anos aproximadamente US$ 100 milhões provenientes da corrupção. Embora seja um dos expoentes, ele não é o único a se beneficiar de uma prática socialmente nociva e muito pouco combatida e responsabilizada.

De fato, a sociedade deve se mobilizar para coibir qualquer tipo de corrupção no poder público. Mas isso não basta. Ela deve se modificar para também coibir a corrupção privada. Estima-se, por exemplo, que a corrupção pública seja responsável por desviar R$ 80 bilhões do seu verdadeiro propósito. Por outro lado, a sonegação de tributos, que não é do trabalhador assalariado, compromete cerca de R$ 400 bilhões a R$ 500 bilhões por ano, o que representa aproximadamente 10% do PIB brasileiro.

Se o objetivo de um país é evoluir culturalmente, economicamente e socialmente, todo e qualquer tipo de corrupção deve ser combatido, independentemente de sua origem ou grandeza

Quando dizem que a corrupção é sistêmica, não estão se referindo somente à corrupção generalizada no governo, mas sim em toda a sociedade. O motorista é corrupto quando não respeita a faixa de pedestre ou quando estaciona inapropriadamente em local reservado. O funcionário se torna corrupto quando não executa apropriadamente suas atividades. O estudante age de forma corruta quando utiliza a cola para conseguir boas notas. O mecânico é corrupto quando adiciona à conta alguns serviços de manutenção que não foram executados. O agricultor é corrupto quando desmata inapropriadamente ou quando utiliza defensivos químicos proibidos. O camelô é corrupto quando espirra água com açúcar nas frutas para enganar o consumidor. Quem joga algum resíduo da janela do apartamento ou na casa do vizinho é igualmente corrupto. E, com a mais absoluta certeza, muitos desses corruptos estavam nas fileiras das manifestações contra a corrupção.

São milhares os exemplos de corrupções com que a sociedade brasileira se defronta. E vale afirmar que a corrupção não é somente obter proveitos indébitos, que envolvem suborno ou pagamentos ilícitos. Na sua forma mais ampla, a corrupção é a degradação de um bem ou de um costume social, ou seja, utilizá-los de forma inferior àquela para a qual foram idealizados.

Indistintamente, esses outros tipos de corrupção são considerados normais e legítimos por parte significativa da sociedade brasileira. E, por serem culturalmente aceitos por uma parcela, não haveria motivos para serem condenados ou combatidos. Portanto, de acordo com essa concepção, não seria a corrupção, em sua essência, que deveria ser combatida, mas sim a corrupção do poder público e aquela que se relaciona com as grandes somas. Se o objetivo de um país é evoluir culturalmente, economicamente e socialmente, todo e qualquer tipo de corrupção deve ser combatido, independentemente de sua origem ou grandeza. E para isso não basta substituir um grupo de políticos ou um grupo de partidos: é necessário ir além, e o fundamental é fortalecer as instituições, de tal forma que, independentemente das pessoas, as regras tenham sua validade e sua aplicação.

Nesse mês de março não teve pau, não teve pedra e teve, sim, o início de um caminho, porque tudo tem o verdadeiro começo. E que esse movimento não se esmoreça antes de completar o seu mais amplo e legítimo objetivo: um Brasil verdadeiramente melhor!

Rodolfo Coelho Prates, doutor em Economia, é professor do Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Positivo e do Middlebury College.
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