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| Foto: Felipe Lima

O deputado federal Jair Bolsonaro foi denunciado pelo Ministério Público Federal ao STF, acusado de incitação à prática de crime (art. 286 do CP), em razão dos seguintes dizeres: “Ela [a deputada federal Maria do Rosário] não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

Segundo o MPF, ao afirmar o estupro como prática possível, só obstado porque a deputada seria “muito feia”, Bolsonaro teria abalado a sensação de segurança, garantida a todas as mulheres, de não serem vítimas de estupro porque tal prática é coibida pela legislação. O MPF também narra que, após o ocorrido, a parlamentar passou a receber várias mensagens de que poderia ser vítima de estupro.

A imunidade parlamentar, embora seja a regra, não é absoluta

Supremo casuísmo

Jair Bolsonaro falou enquanto deputado, na tribuna da Câmara, e deu entrevistas enquanto parlamentar. Não incide, no caso, a única exceção possível à imunidade

Leia o artigo do advogado e jornalista Taiguara Fernandes de Sousa.

Em sua manifestação inicial, Bolsonaro disse estar protegido pela imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição, porque teria feito tais afirmações no exercício de suas funções parlamentares, referindo-se a fatos ocorridos no Plenário da casa legislativa. Argumentou, também, que sua explicação à imprensa se deu no interior de seu gabinete na Câmara dos Deputados, afirmando em sua defesa que “a liberdade de opiniões dos parlamentares, por sua condição de representantes de segmentos do povo, tem de ser garantida pelo Poder Judiciário, sob pena de se inibir aqueles que têm pensamentos diferentes de quem lhes vai julgar”. O dispositivo constitucional invocado pelo congressista assim dispõe: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

A imunidade, embora seja a regra, não é absoluta. Ou seja, a expressão “por quaisquer” opiniões, inscrita no dispositivo constitucional, diz respeito ao exercício da função parlamentar. Logo, expressões que extrapolam tal finalidade e que foram veiculadas para a imprensa (portanto, para além do espaço da Câmara) podem ensejar a responsabilização cível e criminal de quem as produziu.

Portanto, é acertada a conclusão do ministro Luiz Fux, no sentido de que as declarações do deputado não têm “teor minimamente político”, tampouco referem-se a interesses a serem representados democraticamente. Ademais, o ato de o congressista declarar quem “faz seu tipo” e por que razões não é pertinente à sua obrigação parlamentar. Logo, não há de se falar em imunidade.

É igualmente relevante o argumento de que, ao menos em tese, o vocábulo “merece” indica que o homem estaria na posição (superior) de avaliar qual mulher poderia (e mereceria) ser estuprada (sofrer violência), o que manifesta desprezo à dignidade humana.

Fux destaca, por fim, a possibilidade de tal postura encorajar a prática do crime de estupro. Ainda que tal assertiva seja polêmica, importa perceber a ofensividade da conduta em relação ao desrespeito às mulheres, o que pode ocorrer não só com a violência física, mas também com a incitação à degradação e a inferiorização moral (agressão à honra, à autoestima etc.), sobretudo porque os comentários do deputado não têm relação com a discussão pública.

Por enquanto, Bolsonaro é presumido inocente e poderá exercer as garantias constitucionais inerentes ao Estado Democrático de Direito, esclarecendo seus dizeres.

Roosevelt Arraes, advogado, é professor do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).
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