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O feminismo e a discussão da igualdade de gênero estão na ordem do dia. Mas também deveriam estar a questão da identidade de gênero, a diversidade sexual e a sexualidade. O estupro coletivo de uma jovem de 16 anos praticado por um grupo de mais de 30 homens na cidade do Rio de Janeiro não é prática isolada. Há pouco tempo, noticiou-se que no município de Bom Jesus, no Piauí, outra adolescente, de 17 anos, também foi vítima de estupro coletivo, desta vez praticado por cinco homens. A Índia é aqui.

A prática coletiva desse tipo de crime não nos deixa fechar os olhos para a realidade revelada nas frias estatísticas. Mesmo subnotificados, uma vez que muitas mulheres se calam diante dessas práticas, os registros apontam 47.646 estupros no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015. E não é só a violência explícita que faz com que a discussão sobre igualdade de gênero precise ser intensificada. A atitude do governo interino de inicialmente não indicar para a composição de seu alto escalão nem uma mulher sequer, excluindo-as da equipe que ditará os rumos do país, guarda, de alguma forma, relação com as situações acima descritas.

O que fazer diante de uma onda conservadora que sabidamente não afeta somente o Brasil?

Assim como tem relação com o repúdio gerado pela questão do Enem de 2015, que trazia um trecho da obra de Simone de Beauvoir, filósofa feminista, interpretado por alguns como uma tentativa de doutrinação ideológica. E ainda com as críticas feitas nas redes sociais ao enaltecimento das “qualidades” da atual primeira-dama da República destacadas pela revista Veja – “bela, recatada e do lar” –, reafirmando o estereótipo de “mulher ideal”.

A Lei Maria da Penha – aprovada em 2006 com base na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), da qual o Brasil é signatária – e as leis 9.100/95 e 9.054/97, que estabelecem cotas mínimas para mulheres em disputas eleitorais, são importantes exemplos de ações afirmativas que, apesar de limitadas, são capazes de combater a discriminação da mulher na sociedade.

Intensificar o debate sobre igualdade de gênero, diversidade e sexualidade é tão relevante quanto estratégico para transmutar o entendimento de parte da sociedade sobre esses temas. A intervenção estatal também é necessária, pois as mudanças de mentalidade muitas vezes não ocorrem espontaneamente.

Mas o que fazer diante de uma onda conservadora que sabidamente não afeta somente o Brasil? Onda que, quando da aprovação do Plano Nacional de Educação, suprimiu a discussão sobre a questão de gênero como diretriz escolar. Infelizmente, o Paraná, na mesma linha do que ocorreu em âmbito federal, também limou, por meio da Lei 18.492/15, a discussão da questão de gênero das metas e estratégias, substituindo o tema pela proposição de um ambiente escolar em que se “efetive o respeito entre homens e mulheres”.

Discutir a questão de gênero vai além de fomentar o respeito entre homens e mulheres. É ir mais fundo. A culpabilização da mulher por ter sido vítima de um estupro passa pela questão de gênero, que vai além do respeito, tão importante. É comum ouvir que foi o comportamento da mulher que deu ensejo à prática da violência sexual – foi o tamanho da saia, do decote ou então o local que ela frequenta. Para esses interlocutores, a mulher não observou a norma de gênero a ela imposta.

Debater a igualdade de gênero é tentar estar bem resolvido com essas questões, entendendo que existem várias formas de ser e de existir no mundo e que as concepções de masculinidade e feminilidade podem ser construídas e desconstruídas. A transformação de uma sociedade que viola constantemente os direitos das mulheres só se dará pelo enfrentamento dessa questão. Deve ser reconhecida a liberdade das mulheres de fazerem as suas próprias escolhas, sobre o seu corpo, sobre o que vestem, e sobre o seu modo de ser e viver.

Camille Vieira da Costa é defensora pública e membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná.
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