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O discurso do golpismo é algo que reverbera em tom de ladainha quando invocado de forma repetitiva e como resposta simplista a um problema complexo. Tal afirmação faz sentido tanto no Brasil como na Venezuela, vez que sob o ponto de vista constitucional não há que se falar em golpe nem cá e nem lá.

No caso venezuelano não se pode olvidar que o parlamento de maioria chavista efetivou reformas constitucionais em 2009 que culminaram no texto constitucional que fundamenta o estado de exceção decretado por Maduro. O próprio Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, com ministros em sua maioria indicados por Hugo Chavez e Maduro, afirmou a constitucionalidade do Decreto N° 2.323, o que declarou o Estado de Exceção e de Emergência Econômica dadas as circunstâncias extraordinárias de ordem social, econômica, política, natural e ecológicas que afetam gravemente a economia da Venezuela.

O discurso do golpismo utilizado pelos apoiadores de Dilma e pela oposição venezuelana mostra-se como uma ladainha repetitiva e vazia

Enquanto isso, o parlamento, formado por uma maioria de congressistas de oposição ao governo Maduro, utiliza todas as armas que a Constituição bolivariana concede ao Congresso visando minar cada vez mais o Poder Executivo, em uma luta institucional.

Nessa esteira, utilizando uma prerrogativa constitucional, os líderes oposicionistas no Congresso deixaram claro essa semana às empresas internacionais que têm investimentos no país ou aquelas que planejam fazê-los que não reconhecerá qualquer contrato que não seja previamente avalizado pelo Congresso, pois como determinado pela mesma Constituição que dá a Maduro o direito de decretar um estado de exceção, todos os contratos de interesse público com Estados, entidades ou sociedade estrangeiras devem ser autorizados pela Assembleia, o que mina ainda mais a já claudicante governabilidade de Maduro.

A constitucionalidade do impeachment no Brasil, assim como a constitucionalidade do estado de exceção na Venezuela são questões que devem ser também avaliadas sob a perspectiva constitucional. Assim, a coerência de quem se atém a um discurso de constitucionalidade dos atos do Executivo, Legislativo e Judiciário impõe rechaçar a tese de golpe em ambos os casos. Deve ser ressaltado, no entanto, que o teor dos textos constitucionais em comparação são absolutamente diversos em termos de promoção da liberdade e percepção democrática, o que não lhes retira a característica fundante de texto constitucional.

O discurso do golpismo utilizado pelos apoiadores de Dilma e pela oposição venezuelana mostra-se como uma ladainha repetitiva e vazia, mas que evidencia algo que aproxima ainda mais os parceiros históricos Dilma e Maduro, a dificuldade de governar sem apoio congressual. O ineditismo que é a falta de apoio congressual a um governo bolivariano como também foi no caso do governo petista no Brasil, trouxe consigo uma face letal da jovem e em construção noção democrática latino-americana, a retórica populista que manipula o discurso constitucional apartado da técnica jurídica e direcionado por uma lógica de poder.

Eduardo Saldanha é pós-doutor em Direito Internacional e professor de Direito da PUC-PR.
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