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| Foto: Theo Marques/UOL

Há algo que me escandaliza na Operação Lava Jato: os megaempresários que corromperam agentes políticos de diferentes partidos e em todas as esferas, e que confessadamente tinham até departamentos para pagamento de propinas em suas empresas, foram tratados nestes processos como meros instrumentos de esquemas nos quais, há décadas, eles foram os maiores beneficiados. Esses senhores construíram verdadeiros impérios através da corrupção, mas estão pagando apenas multas módicas em relação ao patrimônio acumulado e sendo agraciados com penas extremamente brandas em regime aberto, apenas por dizerem em suas delações exatamente aquilo que a acusação queria escutar: “Lula”.

Esses senhores já estão vivendo em suas mansões, de onde comandam seus negócios, inclusive podendo fechar contratos com o setor público, e desfrutando de mordomias – apenas com o inconveniente do uso de tornozeleiras eletrônicas. Mas os bilhões de reais roubados do povo brasileiro, após esses acordos, ficam devidamente legalizados para o seu uso presente e futuro. Será que esse era o resultado esperado por quem “#acreditou” na Lava Jato?

O promotor do MPF Deltan Dallagnol, principal acusador de Lula, sempre diz em suas entrevistas que o benefício da delação premiada compensa porque “a sociedade abre mão de algo menor, em troca de muito mais”. Neste caso, vejo apenas a sociedade abrindo mão, pela decisão monocrática de um juiz de primeira instância, de recuperar o dinheiro roubado por megaempresários, em troca de declarações inconsistentes contra Lula.

Isso se deve ao fato de a Lava Jato ter começado pelo fim, elegendo inicialmente quem seria o “chefe do esquema” e, para ganhar a repercussão midiática esperada e cumprir um papel político evidenciado desde o seu início, essa pessoa precisava ser Lula. A partir daí, então, passou-se a interrogar os réus e premiá-los com a impunidade para justificar a condenação principal. Pegaram dezenas de executivos, doleiros e agentes políticos, que foram entregando toda a teia de corrupção que as empreiteiras criaram para ganhar muito dinheiro, e foram tratando todos esses senhores corruptos como atores secundários de uma trama principal pré-estabelecida pela força-tarefa da Lava Jato.

A Lava Jato começou pelo fim, elegendo inicialmente quem seria o “chefe do esquema”: Lula

O problema é que premiaram todos os bandidos ricos, mas, depois dos inúmeros acordos de delação, não encontraram provas para incriminar Lula. Acharam apenas fracos indícios de relações entre a OAS e a Odebrecht com o ex-presidente, a partir de um tríplex no Guarujá, a reforma de um sítio em Atibaia e um terreno em São Paulo, que alegaram na acusação ser a propina recebida por Lula em troca de nomeações na diretoria da Petrobras. Mas nem mesmo isso conseguiram provar. E, convenhamos, diante dos bilhões embolsados por esses empresários e doleiros em todos esses anos, parece até uma piada para qualquer cidadão brasileiro que o suposto “comandante” do esquema criminoso ficasse com tão pouco.

Já vasculharam toda a vida de Lula: suas contas, de seus filhos, de sua falecida esposa e de seu instituto, grampearam seus telefones e de todos do seu entorno, contaram com o mais amplo apoio dos grandes meios empresariais de comunicação, mas não acharam nada. Nem contas no exterior, dinheiro escondido debaixo do colchão, joias, carros importados ou qualquer outra forma de ocultar as propinas que alguns delatores, após os acordos com os promotores do MPF, diziam ter repassado a ele.

Como justificar, então, para a sociedade que a força-tarefa da Lava Jato abdicou de bilhões de reais e soltou dezenas de réus confessos, em nome de conseguir prender o tal “comandante máximo de um esquema de corrupção” – como Dallagnol, com seu Power Point, acusou Lula –, e, no fim, não há nem sequer indícios convincentes de nenhum crime cometido pelo ex-presidente? Como explicar que a sociedade abriu mão de tanto em troca de absolutamente nada? Como explicar que, diante de tanta propaganda, promoveu-se tamanha impunidade?

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Aliás, que curioso: é a segunda vez que o juiz Sergio Moro deixa Alberto Youssef, um dos pivôs de todas as denúncias, escapar e voltar a cometer seus crimes após acordos bem vantajosos ao doleiro. A primeira vez foi no caso Banestado; a segunda, mesmo após a sua reincidência, na Lava Jato. Não é mera coincidência.

A preocupação, no entanto, é que o juiz Moro queira condenar Lula mesmo sem provas, transformando convicções e circunstância em fatos, para evitar uma desmoralização dos promotores do MPF e dele próprio com os seus “apoiadores” (como ele mesmo se referiu) e com a imprensa, que lhe garantiu holofotes até então. Foi justamente contra essa possível arbitrariedade que dezenas de milhares de pessoas se mobilizaram na última semana em Curitiba para acompanhar o depoimento de Lula. Não é tolerável, para qualquer um que defenda a democracia, que se escute novamente nesse país: “não há provas cabais, mas eu vou condenar porque a literatura jurídica me permite”, como afirmou a ministra Rosa Weber em seu voto para a condenação de José Dirceu.

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Gostar ou não de Lula não está em discussão. Trata-se, aqui, de aceitar ou não a condenação de alguém sem provas. E isso é inadmissível! A única saída democrática para a Lava Jato seria o reconhecimento do equívoco em condenar prévia e seletivamente, agindo de acordo com a opinião publicada pela grande imprensa. Por conta desses erros, e baseada apenas no método de prender preventivamente e oferecer a impunidade com recompensa através da delação premiada, a Lava Jato deixou os grandes criminosos desta história toda escaparem quase incólumes ou nem sequer indiciados.

Enquanto isso, nos corredores do Congresso Nacional, o dinheiro desses e outros megaempresários, sobretudo os bancos, corre solto para “convencer” deputados e senadores a votarem as reformas da Previdência e trabalhista, sob o silêncio ensurdecedor das panelas e da imprensa.

André Machado é presidente do PT de Curitiba.
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