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| Foto: Mario Tama/AFP

Recentemente, no âmbito do processo de pacificação do pais, o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, propôs aos talibãs fundar um partido, oficialmente reconhecido e legal. Ele falou também em perdoar membros que aceitem se comprometer com as negociações. Pode parecer surpreendente, mas é comum e normal: a paz se faz com os inimigos. Quando você não consegue aniquilá-los, mais cedo ou mais tarde deverá acertar as contas com eles.

Veja-se, por exemplo, o atual processo de negociação com as Farc na Colômbia. No eterno processo de paz entre Israel e Palestina, a mesma coisa aconteceu, mais de uma vez, com o Hamas ou pelo menos com seus expoentes menos extremistas. Em 1993, com a intermediação de Bill Clinton, o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin apertou a mão de Yasser Arafat. O Hezbollah (ou pelo menos uma de suas ramificações) é considerado um grupo terrorista por vários Estados, enquanto ao mesmo tempo (pelo menos uma parte dele) é um partido oficial no Líbano com parlamentares eleitos. Em 1997, na Irlanda, o cessar-fogo da organização terrorista IRA levou aos acordos de 1998 entre Sinn Fein e o governo britânico. Um dia, na Síria, talvez irão se sentar à mesma mesa Al Qaeda, Estado Islâmico, representantes do Estado oficial, mandatários dos EUA e da Rússia.

O poder político nasce sempre da violência pura e da força bruta

Note que os vencedores do Nobel pela Paz Yasser Arafat (1994) e Nelson Mandela (1993) já foram considerados terroristas.

O poder político nasce sempre da violência pura e da força bruta. Não só organizações terroristas reconhecidas, legalizadas e permitidas a entrar fazem parte do processo de pacificação e de transição, mas o Estado em si tem a mesma origem. Juan de Mariana já mostrou como todos os governantes da história – de Ciro, o Grande, a Júlio César – adquiriram o poder por meio da violência e da pilhagem. O Estado brasileiro deriva da conquista portuguesa; os Founding Fathers americanos são revolucionários que se levantaram (justamente) contra a Coroa Britânica. E assim foi no mundo todo.

O grande Mancur Olson mostra que o Estado nasce de um conflito entre vários bandos (“bandidos nômades”) concorrentes que querem dominar um território. O mais forte vence os demais e vira o “bandido estacionário”. Oppenheimer mostra que “o Estado é, inteiramente quanto à sua origem e quase inteiramente quanto à sua natureza, durante os primeiros estágios de existência, uma organização social imposta por um grupo vencedor a um grupo vencido [...] Nenhum Estado primitivo, em toda a história universal, teve origem diferente”. A população se submete, pois não tem muito a fazer e porque é melhor ser pilhado por um só do que por muitos. Depois, gradualmente, esses diferentes povos se misturam e viram um só.

Leia também: Os EUA não podem ganhar a guerra do Afeganistão por não saberem por que estão lá (artigo de Steve Coll, publicado em 30 de janeiro de 2018)

Bruno Garschagen : Terroristas, radicais islâmicos e a complacência da sociedade (11 de setembro de 2016)

É assim que os romanos venceram e se misturaram com os etruscos, os gregos, os cartagineses e os vários “bárbaros” ; que os anglos se misturaram com saxões, vikings e celtas; que os francos se misturaram com normandos e gaélicos; castelhanos com catalães, bascos e galegos; os povos germânicos com os alamanos, ostrogodos, visigodos etc.

Nas últimas semanas, na África do Sul, os descendentes dos conquistadores holandeses estão sendo perseguidos, suas terras estão sendo confiscadas (sem reparação) e muitos estão fugindo do país. Tudo isso mostra que, entre outras coisas, de fato, o atual poder político advém da conquista europeia do território e passou, agora, para a mão dos nativos. Igni ferroque (com ferro e fogo) antes, igni ferroque agora.

Adriano Gianturco é professor de Ciência Política do IBMEC.
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