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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Nestas últimas férias tive uma experiência bastante diferente no Uruguai: chegamos a Montevidéu e fui logo alugar o carro que tínhamos reservado. No caminho, encontrei um grupinho fumando um baseadinho na região da Avenida Mercedes, no centro da cidade e a uns 50 metros de um policial. Mas não me surpreendi: o consumo da maconha foi liberado para uso recreativo em julho de 2017 e, portanto, não é raridade encontrar pequenos focos da aromática marola disseminados pela cidade.

Surpreendente mesmo é que, iniciada pelo ex-presidente José Mujica, tal política de Estado tenha sido continuada pelo seu sucessor, atual chefe do Executivo, Tabaré Vasquez, que, embora oriundo da mesma corrente de esquerda, é médico oncologista. Vejamos apenas algumas das tantas razões dessa controversa política de governo que, vale lembrar, entra e sai da pauta de países como o nosso Brasil.

Em artigo publicado na revista European Respiratory Journal, cientistas afirmam que a maconha contém o dobro de substâncias cancerígenas, como os hidrocarbonetos poliaromáticos, na comparação com os cigarros de tabaco. Além disso, a maneira de fumar os baseados, sem um filtro e até a ponta, aumenta a quantidade de fumaça inalada. O fumante de maconha traga mais profundo, o que facilita o depósito das substâncias cancerígenas nas vias aéreas.

Não é liberando a maconha que se acaba com o canal de distribuição e nem com o consumo

Em uma pesquisa da qual um grupo de voluntários participou com o uso da maconha, o resultado foi uma incidência de casos de câncer 5,7 vezes maior para os integrantes que fumaram mais de um baseado por dia durante dez anos, ou dois baseados por dia durante cinco anos – isso já levando em conta outras variáveis, como o tabagismo. Em outra pesquisa, publicada pela Psycological Medicine, comprovou-se por meio de análises genéticas o que estudos anteriores já haviam sugerido de forma observacional: o consumo da maconha é particularmente perigoso para pessoas com propensão genética à esquizofrenia. Sabia-se, também, que o uso da droga abre as portas para outros problemas da psique, como distúrbios de personalidade e síndrome do pânico. No campo da fertilidade, conversei com o coordenador da Unidade de Toxicologia Reprodutiva da FMUSP, Jorge Hallak, e ele me informou que a utilização da maconha promove diminuição da motilidade e da qualidade dos espermatozoides.

Esses são alguns dos impactos na saúde pública totalmente ignorados pela argumentação de pesos-pesados da política, intelectuais e personalidades estelares que afirmam que a liberação da maconha para uso recreativo é importante para a sociedade civil, na medida em que não cabe ao Estado tutelar a vontade do cidadão. Que o Estado Democrático de Direito permite a todos ir e vir e, tal qual, poder fumar seu baseadinho tranquilamente.

Presume-se ser também a estratégia correta legalizar a droga para poder acabar com o oligopólio dos narcotraficantes, transferindo o negócio para a iniciativa privada sob a custódia do Estado. Pois é a esquerda aceitando o livre mercado apenas pela causa – neste caso, não a causa vermelha, mas a verde. Como disse o socialista Trotsky, os fins justificam os meios, não importa quem morre e nem quantos.

Leia também: O porte de drogas em análise no STF (editorial de 20 de agosto de 2015)

Uma bazófia estapafúrdia porque, afinal de contas, não foi terminando com a Lei Seca em 1933 que contrabandistas norte-americanos deixaram de ter lucro com negócios ilícitos; eles apenas mudaram o expediente e tornaram-se narcotraficantes. Já a população dos Estados Unidos não deixou tampouco de consumir álcool; ao contrário, estendeu o hábito de beber aos americanos que não bebiam.

Desta maneira, não é liberando a maconha que se acaba com o canal de distribuição e nem com o consumo, mas com políticas assertivas tuteladas pelo próprio Estado, dentre as quais: policiamento de fronteiras, acordos com órgãos de controle de lavagem de dinheiro, polícia bem treinada e remunerada, banco de dados nacional de informação unificado e, finalmente, a exemplo do Brasil, campanhas educacionais tais como as que vêm fazendo o consumo do cigarro cair a cada ano. Sabemos que não é o ideal, mas é o que temos de melhor por enquanto.

Para os militantes da causa verde e românticos da ideia de que quem fuma maconha fica só na maconha, larga quando quer, e que maconha não vicia, estudos comprovam que a droga vicia em muitos casos. O vício está arraigado também na liturgia do preparo e consumo nos grupos de monousuários, que por sua vez interagem com outros grupos de usuários que consomem maconha e outras drogas. Em algum momento da balada, esses monousuários cruzarão a ponte para o segundo grupo. Será uma questão de tempo e do momento certo.

Leia também:Maconha, glamourização e realidade (artigo de Carlos Alberto di Franco, publicado em 16 de janeiro de 2017)

Mas, voltando para as férias e já em nosso último dia de ócio, a caminho do aeroporto, pegamos um táxi e eu aproveitei para perguntar ao motorista, chamado Fernando, o que ele achava daquele momento de seu país. Ele nos disse que, no dia de inauguração da venda da maconha comercializada inclusive por farmácias, o sentimento para muitos era de que os locais onde famílias deveriam comprar remédios agora vendiam drogas. Principalmente para os jovens. Havia policiais e bombeiros fardados, em fila, esperando por seu quinhão permitido. Fiquei imaginando se nessa fila havia habitués ou gente da vida mundana como cirurgiões cardiologistas, operadores de guindastes, mecânicos de aviões ou, ainda pior, pilotos que levavam turistas do Uruguai de volta ao Brasil.

Será que eu estou maluco? O mais curioso é que, além da porção de 40 gramas, o cidadão registrado tem direito de plantar e colher até seis pezinhos de Cannabis sativa, o que no fim das contas acabou por resultar em um mercado paralelo dos chamados autoprodutores, e que abarca até senhorinhas aposentadas em busca de faturar um extra – afinal, é legal, está liberado, vende na própria farmácia, polícia e bombeiros compram, os jovens fumam nas praças e nossos líderes mundiais apoiam, é o famoso politicamente correto. Que beleza!

Já imaginou? Um ligando para a avó do outro para saber se tem um bagulhinho do bom plantado no quintal saindo no capricho? Na minha época era pudim, bolo de fubá... Virou tudo a casa da Maria Juana mesmo.

Alexandre Nigri, formado em Economia e Administração de Empresas com especialização em real estate, é CEO do Grupo Maxinvest.
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