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O cenário para o “espetáculo do impeachment” já começava a ser montado quando se viu o bolão dos deputados, manifestantes como se fossem torcidas organizadas, bonecos infláveis, bandeiras, carros de som, dancinhas ensaiadas, telões em praças e em bares e declarações do tipo “vai ter musiquinha para o pessoal ‘se divertir’”! Tudo como na final de um campeonato, em que o time da casa jogaria contra o adversário visitante!

Se você achou tudo isso normal, não devia, pois a situação é muito séria para se dar espaço a frivolidades. O escritor Mario Vargas Llosa já descreveu o fenômeno no seu livro A Civilização do Espetáculo, apontando para a banalização da arte e da literatura, em que a cultura se tornou mero entretenimento e distração fútil, incluindo a política. Em muitos casos, me parece que manifestantes estão “se divertindo”, fugindo do tédio, procurando algo para preencher sua vida cotidiana sem sal e sem um significado maior, como faz todo fim de semana ao ir para as compras nos shoppings ou para a balada encher a cara.

O que vimos foi nosso reflexo no espelho. Os deputados representam o Brasil e devíamos ter vergonha do que elegemos

Independentemente da votação que aprovou a admissibilidade do impeachment da presidente Dilma (apesar de o voto ter sido mais associado a filhos, mães, tias e seus currais eleitorais que às “pedaladas fiscais”, apontadas como a causa do processo), nunca tantos brasileiros puderam ver ao vivo todos os seus deputados eleitos. O difícil foi aturar seus discursos medíocres e inapropriados por quatro horas, sem coerência e decoro parlamentar. Foi o auge do espetáculo depois de o circo entrar na cidade com suas figuras bizarras. Nas redes sociais apareciam os comentários indignados com tais comportamentos, mas, de fato, o que vimos foi nosso reflexo no espelho. Sim, eles representam o Brasil e devíamos ter vergonha do que elegemos!

Dos 513 deputados da Câmara, 299 têm problemas na Justiça. Salvo raras exceções, vimos figuras grotescas e amorfas, alguns enaltecendo o seu décimo mandato, outros agradecendo a herança política de pai e avô! Reclamar de um Cunha e seu sorriso de deboche, de um Bolsonaro que elogia torturadores, da filha de Roberto Jefferson que homenageia o pai condenado pelo mensalão, do bufão Tiririca, de um deputado petista com ficha suja de nada adianta, pois foi o seu voto que o colocou lá! Os políticos cujos votos a favor ou contra o impeachment fizeram os manifestantes vibrar foram vendidos como uma caixa de sabão em pó ou um detergente, ressaltando suas formas e cores. A analogia serve, pois todos prometem “limpeza total” da corrupção do país. Marqueteiros treinaram “seus bandidos preferidos” nos gestos e na forma para se apresentarem ao eleitor, sabendo o que ele compra. Llosa ressalta que “no compasso da cultura reinante, a política foi substituindo cada vez mais ideias e ideais, debate intelectual e programas, por mera publicidade e aparências”.

Na câmara há 115 ruralistas, 77 religiosos, 44 advogados, 43 donos de rádios e tevês, 40 sindicalistas, e o resto se divide em outras profissões. A idiotização vista em frente às câmeras o representa, leitor? Um deputado cínico comandando um processo em que ele devia ser réu é legítimo? E lembre-se: agora o processo será julgado no Senado, onde 40% dos nossos senadores tem pendência criminal – inclusive Renan Calheiros, que o conduzirá! Sim, sua piscina está cheia de ratos. A pergunta é: o que você vai fazer a respeito disso nas próximas eleições?

Eloy F. Casagrande Jr., pós-doutor em Inovação e Sustentabilidade, é professor da UTFPR e coordenador do Projeto Escritório Verde e do Centro Regional Integrado de Expertise em Educação para o Desenvolvimento Sustentável (Crie-Curitiba), da ONU.
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