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| Foto: Vasily Fedosenko/AFP

Não havia passado duas semanas desde que o presidente Venceslau Brás assinara a declaração de guerra contra a Tríplice Aliança quando começaram a chegar telegramas informando sobre a revolução na Rússia. As notícias eram confusas, desencontradas. Não se sabia nem sequer qual era o termo mais adequado para definir quem tinha liderado aquele movimento: bolcheviques, maximalistas, comunistas, leninistas. Quem havia, afinal, tomado o poder? Os anarquistas acharam que a revolução era anarquista e os liberais, como Rui Barbosa, acharam que era liberal. O velho jurista chegou a saudar o acontecimento que pôs fim aos desmandos do czar.

O ritmo das notícias era desconcertante. Em 3 de dezembro, Trotski anuncia a retirada da Rússia da guerra. Logo agora que tínhamos entrado? Diante disso, a imprensa brasileira aderiu à tese de que Lenin só podia ser um agente alemão pago para tirar a Rússia do conflito. O jornal A Noite, de 5 de maio de 1917, referiu-se aos operários russos que lutaram contra o governo de Kerenski como “dirigidos por agentes alemães” e liderados por Lenin. O Correio da Manhã chegou a afirmar – repassando o disse-me-disse fervilhante da imprensa europeia e norte-americana sobre o assunto – que Lenin não era Lenin: “O célebre agitador Lenin faleceu em 1916 na Suíça e o falso Lenin que ultimamente tem agitado a Rússia não é outro senão um certo Zaberlun, antigo amigo de Lenin”.

Os partidos comunistas da Europa negavam as informações sobre a violência praticada pelo Estado soviético

O jornal do Rio A Razão chamou os bolcheviques de “loucos” e “notáveis canalhas”. O clima ia esquentando e os times a favor e contra iam buscando razões e argumentos para defender suas “posições definitivas”. A desinformação era a regra geral, o que não impedia a enxurrada de “opiniões”. O anarquista Otávio Brandão confessou que a única coisa que conhecia da Rússia até então era o romance A mãe, de Máximo Górki. Influenciado pelas descrições pungentes da obra do escritor russo, traçava paralelos, em artigos publicados na imprensa operária da época, com o Norte e Nordeste brasileiros. Começava a se formar, no imaginário da esquerda, a ideia da revolução purificadora.

Em 1919, o jornalista Astrojildo Pereira referia-se ao surgimento de um Partido Comunista no Brasil, da seguinte maneira: tratava-se, na realidade, de uma organização tipicamente anarquista, e a sua denominação de “Partido Comunista” era um puro reflexo, nos meios operários brasileiros, da poderosa influência exercida pela revolução proletária triunfante na Rússia que, se sabia, era dirigida pelos comunistas daquele país.

O fato é que a relação entre o que podia estar acontecendo no outro lado do mundo e a cruel realidade social e econômica do Brasil foi promovendo uma adesão entusiasmada de muitos intelectuais tupiniquins às determinações dos líderes soviéticos. Revolução ou miséria; revolução ou exploração. Mas isso não aconteceu só por aqui. Os partidos comunistas da Europa, repletos de pensadores de primeira linha, negavam peremptoriamente as informações sobre a violência praticada pelo Estado soviético, principalmente durante a longa ditadura de Stalin. Negavam também a formação de uma nova elite burocrática: a nomenklatura. Era tudo mentira para solapar a marcha triunfal e inexorável do socialismo...

Demétrio Magnoli: O mito do século 20 (23 de fevereiro de 2017)

Leia também: Cem anos de ilusão (artigo de Friedmann Wendpap, publicado em 9 de fevereiro de 2017)

De volta ao Brasil: uma das manifestações mais simpáticas aos feitos comunistas na Rússia veio da pena do escritor Lima Barreto. Em um artigo de maio de 1918, escreveu o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma: “A propriedade é social e o indivíduo só pode e deve conservar, para ele, de terras e outros bens tão somente aquilo que precisar para manter a sua vida e de sua família, devendo todos trabalhar da forma que lhes for mais agradável e o menos possível, em benefício comum [...] terminando este artigo, que já vai ficando longo, confesso que foi a revolução russa que me inspirou tudo isso”. Em outro artigo, de junho do mesmo ano, Lima Barreto afirmou: “Não posso negar a grande simpatia que me merece um tal movimento; não posso esconder o desejo que tenho de ver um semelhante aqui, de modo a acabar com essa chusma”. Em julho de 1922, pouco antes de morrer, o escritor carioca escreveu: “tenho para mim que se deve experimentar uma ‘tábua rasa’ no regime social e político que nos governa; mas mudar só de nomes de governantes nada adianta para a felicidade de todos nós”.

Depois de 100 anos, pouca coisa mudou: a desinformação geral, o costume de opinar sobre tudo sem saber quase nada, as saúvas acabando com o Brasil e a crença de que só mesmo uma revolução para transformar esse país. Em suma: nenhum passo à frente.

Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.
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