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Informação sem conhecimento contextual é praticamente inútil – tanto é que posso ser muito bem informado sem entender realmente nada

"Fui absolvido pelas urnas." A frase, declamada pelos políticos que foram denunciados pelo Ministério Público por improbidade administrativa e que conseguiram se reeleger no último dia 3, dá o que pensar. Apesar de todas as reportagens, logo quando se procurou incentivar o voto consciente e informado, por que isso acontece?

Comentaristas eleitorais, oráculos de revistas semanais e profetas de rádiojornalismo tendem a concordar em um ponto: o povo, infelizmente, ainda não sabe votar direito. Por mais que ensinemos. Ora se menciona o abominável incentivo do clientelismo (bolsa-família e outras pragas "assistencialistas"), ora se discute a inextinguível capacidade de manipulação dos políticos. A terminologia varia de veículo para veículo, mas o sistema de razões acaba sempre voltando ao mesmo ponto. Os reeleitos, por sua vez, acham essas lições irrelevantes. E, de boa ou má-fé, acreditam que a voz do povo é a voz de Deus e da sua infinita capacidade de perdoar.

Para tentarmos entender esse fenômeno, eu arriscaria duas hipóteses. Hipóteses são conjecturas, suposições, enfim, palpites sobre que fatores poderiam esclarecer um problema. A ordem em que os fatores explicativos são apresentados aqui não tem necessariamente a ver com a importância que eles assumiriam na realidade. Uma compreensão menos apressada e menos improvisada das causas da recondução de políticos exigiria, talvez, uma pesquisa caso a caso.

Em primeiro lugar é preciso considerar que os critérios de julgamento dos eleitores são muito variados. E que todos eles são igualmente legítimos (já que há a tentação em achar os nossos mais sábios, mais ponderados, mais racionais).

Pode-se avaliar um político por seus compromissos com causas, programas e ideias. Simplificando, esse seria o "voto ideológico". Ele tem a ver com visões de mundo. Por comodidade incluímos aqui o "voto ético", ou seja, aquele que se preocupa com a honestidade, a honradez do representante. Em geral, essas duas orientações aparecem juntas sob um rótulo um tanto pomposo: "voto consciente". O voto consciente é orientado pelo que na literatura de Ciência Política chamamos de valores pós-materialistas: a preocupação com níveis de corrupção, a preservação do meio ambiente, a necessidade de aumentar o envolvimento dos cidadãos nas decisões do governo etc. Esses valores alimentam uma taxa considerável de participação política e uma expressiva capacidade de reflexão e crítica. Eles são típicos de sociedades onde os níveis de desenvolvimento econômico são altos.

Por outro lado, pode-se avaliar um político por sua capacidade de trazer ou não benefícios públicos para sua base. Por oposição, esse seria o "voto pragmático". O candidato é medido em função do seu potencial de realizações. Isso vale tanto para o seu desempenho no passado ("obras") como para a expectativa depositada nas suas ações no futuro. A escolha eleitoral é guiada aqui por valores materialistas: renda, emprego, segurança, inflação etc. Simplificando, este seria o voto mais racional. O eleitor é capaz de distinguir seus interesses e, em razão disso, recomendar o candidato que pareça bancar melhor seus objetivos concretos: uma escola, uma creche, um ônibus escolar.

Pesquisa recente do cientista político Emerson Cervi, da UFPR, demonstrou que a taxa de sucesso na reeleição de um político da Assembleia Legislativa do Paraná está diretamente ligada ao seu comprometimento em obter recursos perante o Executivo estadual para realizar políticas no seu reduto eleitoral. Quanto mais localizada sua produção legislativa, maiores seus percentuais de votos regionalizados e, assim, mais seguras as chances de ser reconduzido ao cargo.

A segunda hipótese que eu formularia para entender o baixo impacto eleitoral da série de reportagens da RPC/Gazeta do Povo sobre os "Diários Secretos" com nomeações de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa, e mesmo da repercussão do movimento "O Paraná que Queremos" contra o esquema de desvio de recursos envolvendo diretores e deputados, tem a ver com a confusão entre oferta de informação e habilidade para processá-la.

Salvo engano, nunca antes na história deste estado uma investigação jornalística foi tão insistente e eficiente. É natural, então, que os setorialistas de política se perguntem o que deu errado.

É preciso atentar que o porcentual bastante alto de oferta de informação política esbarra em duas dificuldades. O custo para ter acesso a essa informação e o aparato indispensável para entendê-la, ou o que o cientista político Anthony Downs chama de "conhecimento contextual".

Tomar decisões eficientes (no caso, votar "bem") não é uma questão de vontade. É preciso estar informado, isso é, possuir dados atualizados sobre os fatores que influenciam determinados processos, acontecimentos; é preciso interpretar essa informação. Essa interpretação está ligada à capacidade do eleitor em estabelecer relações causais. Informação sem conhecimento contextual é praticamente inútil – tanto é que posso ser muito bem informado sem entender realmente nada.

Tanto a obtenção de conhecimento contextual quanto de informação objetiva tem um custo elevado em termos econômicos e em termos de tempo despendido (é preciso ter tempo para escrever este artigo e tempo para lê-lo). Por isso eles não estão disponíveis de maneira idêntica a todos. Essa assimetria faz com que a capacidade de julgar politicamente os políticos fique comprometida.

Possivelmente as duas explicações contribuem para perceber porque os personagens envolvidos com os escândalos da Assembleia saíram politicamente intactos das últimas eleições. Falta determinar o peso de cada uma dessas explicações ou, caso queira, matutar outras tantas hipóteses para resolver esse problema. Só assim, creio, podemos passar do "absolver" para o "entender".

Adriano Codato é professor de Ciência Política na UFPR. E-mail adriano@ufpr.br

*Excepcionalmente hoje o artigo semanal de Belmiro Valverde Jobim Castor não será publicado.

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