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Recentes dados eleitorais de democracias em diferentes países do mundo, disponíveis no International Idea – Institute for democracy and electoral assistance, mostram que tirar a obrigatoriedade do voto diminui a participação eleitoral em ao menos 25%. Em alguns países a participação chegou a taxas impressionantes, como no Chile, em 2016, onde apenas 34% da população foi às urnas, passados apenas cinco anos do fim da obrigatoriedade do voto.

O voto é obrigatório em quase todos os países da América do Sul e nos que inauguraram a exigência – Bélgica e Austrália. Nesses últimos dois países, desde 1950, o comparecimento eleitoral fica acima de 85%, dados próximos aos do Brasil. Vale lembrar que Bélgica e Austrália são conhecidos pelos altos níveis de igualdade, liberdade e direitos individuais. No Brasil, o voto é facultativo aos analfabetos, maiores de 70 anos e jovens entre 16 e 17 anos. A penalidade para os que não comparecem às urnas é uma multa simbólica de R$ 3,51.

Em países onde o voto é facultativo, quem vai às urnas é quase que exclusivamente a população de maior renda

Há, na simples decisão do voto, fatores de ordem individual, social e institucional. Mudanças nas regras eleitorais fazem mudar as formas de votar e, consequentemente, a estratégia dos políticos na conquista do eleitorado. A ciência política aponta que o comparecimento eleitoral é uma função da vontade, capacidade e oportunidade de participar do eleitor. Variáveis como interesse político, engajamento, ideia de dever cívico e de eficácia política fazem com que as pessoas participem mais. E essas características são profundamente maiores quanto maior o nível de escolaridade e renda. A própria participação eleitoral pode gerar uma noção mais apurada de dever cívico que se transforma em mais participação eleitoral. Em países onde o voto é facultativo, quem vai às urnas é quase que exclusivamente a população de maior renda, em detrimento de grupos como os pouco escolarizados, os de baixa renda, mulheres e negros.

Qual a consequência mais provável da desobrigatoriedade do voto no Brasil? Os políticos deixarem de buscar o voto dos mais pobres.

A favor do voto facultativo:Um voto de qualidade (artigo de Alvaro Dias)

Assim como o eleitor na hora do voto, políticos e partidos desenham sua estratégia eleitoral de acordo com as regras vigentes e com o comportamento do eleitor. O voto obrigatório obriga, portanto, a ida dos representantes aos que têm seu voto como arma. Na medida em que o voto como barganha for retirado das populações pobres e excluídas, não lhes resta nem mais a promessa de campanha para aquela obra na periferia ou algum ganho real no direito do trabalhador. A classe política não terá interesse em atender as populações que deixarem de votar.

É prioridade dos líderes dos principais partidos representados na Câmara a aprovação do fundo público de financiamento de campanha que destinaria, além dos R$ 888,7 milhões já garantidos pelo Fundo Partidário para 2018, uma bagatela de R$ 3,5 bilhões para financiar a campanha desses partidos. Com dinheiro do Estado e voto apenas dos mais ricos, o que esperar de nossos políticos? Em um contexto no qual a maior parte da classe política brasileira encontra-se fragilizada por sucessivos escândalos de corrupção, essa mesma classe política recorre ao instinto de sobrevivência em que o eleitor não é prioridade. Tampouco o debate de um programa político para o país e sua população diversa. A não obrigatoriedade do comparecimento do eleitor às urnas, somado a um sistema hiperfragmentado de partidos fracos e pouco enraizados na sociedade, desobrigaria os políticos a procurar – e eventualmente atender – essa população. É isso que queremos? Ou é isso que nossos políticos querem?

Karolina Roeder, doutoranda em Ciência Política, é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, e do Laboratório de Análise dos Partidos Políticos e Sistemas Partidários da UFPR.
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