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O velho ditado popular “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” enaltece a persistência como virtude que torna possível vencer até mesmo as maiores dificuldades. A partir dele podemos pensar o contexto de combate à corrupção que estamos vivendo. O desejo social de mudanças tem se mostrado persistente e firme. A velha forma de fazer política, além de corrupta, mostra-se cambaleante.

Passados mais de três anos de Lava Jato, a população brasileira poderia estar com o seu senso moral anestesiado. Fatigada com uma sucessão sem precedentes de escândalos de corrupção, poderia estar predisposta a aceitar que a corrupção sempre foi o inevitável destino brasileiro, mas não. Felizmente, esse não é o caso.

A sociedade incorporou a ânsia de se livrar das amarras de governantes corruptos, mais comprometidos com a própria sobrevivência nas eleições que com o interesse público. Houve e ainda há resistência em se compreender esse clamor social, mas é cada vez mais rara a teimosia de enxergar sobrevida na era dos agentes políticos degenerados. A pedra dura agora está amolecendo.

A sociedade precisa se manter atenta e mobilizada, mantendo a capacidade de se indignar

A antiga política dá seus últimos respiros. Troca de ministros para estancar a sangria? Troca do comando da Polícia Federal para conter a Lava Jato? Medida provisória para garantir aos amigos o foro privilegiado? Cortina de fumaça para abafar o fato de que o homem que carregava a mala de dinheiro sujo era, há pouquíssimo tempo, assessor pessoal e direto da Presidência? Tentativas de banalizar o conteúdo de conversas e encontros nas sombras, que orbitaram sobre ajustes de propinas e embaraços à investigação de organizações criminosas? Não suportamos mais nisso. Não queremos mais do mesmo. O mesmo não tem mais a força de outrora, e a vontade de mudança da sociedade não é mais correnteza suave; é decisão firme de que o Brasil quer uma política livre da corrupção.

Mas não nos deixemos enganar: a mudança de paradigma ainda não ocorreu. O adequado enfrentamento da corrupção consiste em um processo e não ocorrerá do dia para a noite. Ele dependerá de mudanças sistêmicas a serem promovidas por todos os poderes da República. E isso também incluirá a participação dos agentes políticos.

Como a mudança depende também da esfera política, e muitos de seus agentes estão pessoalmente comprometidos com práticas corruptas, o que nos resta? A sociedade precisa se manter atenta e mobilizada, mantendo a capacidade de se indignar. Não se pode aceitar lideranças políticas que se articulem em busca de zonas de consenso pela impunidade. É fundamental acompanhar o que está acontecendo no Congresso Nacional e no Poder Executivo federal, manifestando-se contra arbitrariedades.

Leia também:Amarrar a Justiça (artigo de Cristovam Buarque, publicado em 5 de maio de 2017)

Opinião da Gazeta:Um ministério para ajudar os amigos (editorial de 31 de maio de 2017)

O momento é de distinguir aqueles que praticam política daqueles que praticam a politicagem; diferenciar aqueles que estão hoje centrados em aproveitar o momento histórico para promover as mudanças necessárias em nosso sistema daqueles que estão empenhados em dourar pílulas de veneno legislativo para estancar o avanço das investigações.

Não obstante os importantes resultados parciais já obtidos, ainda estamos no meio do caminho. Parar de caminhar agora seria trágico, pois consagraria a impunidade, daria azo a retrocessos e representaria a perda de uma real chance de mudança. Por mais que antigas pedras estejam moles, ainda há muitas pedras no meio do caminho no trajeto para um Brasil mais justo. Sigamos em frente.

Julio Carlos Motta Noronha e Roberson Henrique Pozzobon são procuradores da República e integram a força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF/PR).
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