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| Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

No dia 10 de maio, a imprensa repercutiu a decisão da 10.ª Vara Federal de Brasília que determinou a suspensão das atividades do Instituto Lula. Em conformidade com o despacho divulgado, o magistrado fundamentou a decisão no artigo 319 do Código de Processo Penal, que autoriza a adoção de medidas cautelares diferentes da prisão como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

A determinação de suspensão das atividades, por tempo indeterminado, de uma organização da sociedade civil seria forma de garantir a efetividade de futura decisão judicial ou impedir que houvesse obstrução da instrução criminal. No entanto, o dispositivo de natureza processual, que é, por definição, instrumento para o cumprimento de certa finalidade, deve ser lido à luz das prescrições constitucionais sobre a matéria, que reconhecem, garantem e prestigiam o direito à livre associação, como corolário do direito de liberdade.

A decisão em relação ao Instituto Lula representa ameaça às sociedades civis de uma forma geral

Diretamente ligado à liberdade de expressão, em seu espectro coletivo, e ao regime democrático de governo, o direito à livre associação tem origem na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e está presente na Constituição Federal de 1988, que, repetindo garantia constante dos textos constitucionais precedentes, cuidou do assunto expressamente no artigo 5.º. Pela disposição expressa do inciso XX, as associações só poderão ter suas atividades suspensas por decisão judicial que, embora não exija o trânsito em julgado, deve ser absolutamente necessária e adequada para cumprir a finalidade prescrita pelo ordenamento, sob pena de desvio de finalidade.

A adoção de medida tão extrema deve se dar em um ambiente excepcionalíssimo, no qual medida cautelar desta ordem seja imprescindível para a continuidade da apuração em curso. Uma decisão judicial nesse sentido deve apontar evidências claras e objetivas de que tal excepcionalidade é adequada no caso concreto em análise, apontando fatos suficientemente consistentes e graves.

A decisão da 10.ª Vara Federal de Brasília em relação ao Instituto Lula não cumpre essa exigência e, portanto, representa ameaça às sociedades civis de uma forma geral, colocando-as em situação de extrema fragilidade perante o Poder Judiciário.

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Em março deste ano, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) lançou o novo Mapa das Organizações da Sociedade Civil, que apresenta catálogo composto por 400 mil OSCs, apontando o campo de atuação, número de funcionários, tipos de parceria com entes governamentais, entre outros aspectos. Esse número dá dimensão do papel desempenhado pelas organizações da sociedade civil em nosso país, onde elas muitas vezes atuam no espaço não ocupado pelo poder público.

O momento é de implementação do novo marco legal apresentado pela Lei 13.019/14, que objetiva desenvolver o terceiro setor e regular sua atuação com regras de governança mais bem estabelecidas. O Estado, representado pelos seus três poderes, e a sociedade devem repelir qualquer tentativa destinada a amesquinhar o direito de liberdade. Longe de apenas atingir uma sociedade civil específica, decisão judicial com esse caráter impacta todas elas e põe em risco a imensurável contribuição dada pelo terceiro setor ao nosso país, que tem tantas carências sociais quanto ranços do autoritarismo.

Rubens Naves, advogado, ex-professor e chefe do Departamento de Teoria Geral do Direito na PUC/SP e ex-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, é fundador e conselheiro da Transparência Brasil.
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