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Por esses dias circulou pela internet a música Acende o farol, de Tim Maia, além de inúmeros memes em alusão à nova “lei do farol aceso nas estradas durante o dia”. Brasileiro faz piada com tudo, mas a verdade é que acaba seguindo e acatando bovinamente todas as leis, normas e regulamentos impostos pelo Estado, mesmo que não tenham nenhum respaldo lógico ou científico, e sem levantar questionamentos sobre a eficácia e nem sobre os reais motivos que poderiam estar por trás dessas novas leis. A mesma atitude é adotada pelos telejornais: divulgam as novas regras, instam todos a segui-las com reportagens estilo “puxãozinho de orelha”, não fazem qualquer crítica séria. Na melhor das hipóteses, levantam um questionamento e pedem para algum funcionário público ou político esclarecer, sempre de forma favorável à nova lei.

Trata-se da Lei 13.290/16, que altera a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) ao acrescentar as palavras “e nas rodovias” no artigo 40, que trata da obrigatoriedade do uso de farol baixo; e no artigo 250, que trata da punição pelo seu descumprimento. As justificativas proclamadas pelas “autoridades competentes” são as de praxe, com o linguajar politicamente correto e cheio de boas intenções sentimentaloides que a ocasião exige: reduzir os acidentes, impactar positivamente a saúde pública, contribuir com a paz e a cidadania etc. Nenhum estudo sério é apresentado, apenas vagas referências a legislações semelhantes existentes em outros países e muita ênfase nas melhores intenções e nos resultados positivos que – segundo eles – inevitavelmente virão, especialmente com a redução do número de atropelamentos e colisões frontais.

A nova lei quer tirar o foco das reais causas dos acidentes que matam mais de 40 mil brasileiros por ano

A obrigatoriedade do uso de faróis durante o dia surgiu nos países escandinavos: Suécia (1977), Finlândia (1982), Noruega (1986), Islândia (1988) e Dinamarca (1990). Nenhuma surpresa, dado que são países que passam pelo menos metade do ano com uma iluminação natural muito baixa – além de serem notórios Estados-babá. O Canadá, outro país de latitudes altas e luminosidade natural baixa, adotou regras semelhantes em 1990. A diferença é que, desde o início, o que se exigiu foi a instalação de outro dispositivo de iluminação nos automóveis, de intensidade menor e geralmente de coloração amarela, especificamente para aumentar sua percepção por outros motoristas, pedestres e ciclistas. Esse dispositivo foi sendo modificado e melhorado ao longo dos anos, sendo atualmente conhecido por DRL (daytime running lamp), presente em alguns modelos à venda no Brasil. A União Europeia expediu uma diretiva em 2008 determinando que todos os veículos novos estivessem equipados com DRL a partir de 2011. O sistema hoje é geralmente composto por um cordão de lâmpadas tipo LED incorporado ao farol e que acende automaticamente sempre que o veículo é ligado.

Nos Estados Unidos, apesar da pressão de montadoras e ativistas, não há obrigatoriedade de uso do DRL, embora ele seja permitido desde 1992. Um estudo realizado em 2008 pela National Highway Traffic Safety Administration do Departamento de Transportes norte-americano, analisando acidentes envolvendo veículos com e sem DRL – inclusive colisões frontais e atropelamentos de pedestres e ciclistas –, não apontou qualquer redução estatisticamente significante. Há estudos semelhantes em outros países com resultados que apontam até para o aumento no número de alguns tipos de acidentes após a obrigatoriedade do DRL. Para além das estatísticas, associações de motoristas em vários países argumentam que o uso de DRL domina a atenção visual de motoristas em detrimento de pedestres, ciclistas etc., causa perda na percepção de distância, aumenta o ofuscamento, dificulta a visualização das setas de mudança de direção e torna motocicletas menos identificáveis em meio aos carros, aumentando a insegurança.

E no Brasil, um dos países mais ensolarados do mundo, com suas estradas mal projetadas, mal construídas, mal conservadas e mal sinalizadas, com algumas das leis de trânsito mais estapafúrdias criadas pelo gênio humano, qual seria a justificativa para mais essa lei? Aparentemente, há dois motivos principais. O primeiro, claro, é arrecadar dinheiro para o Estado através das multas. Os iluminados sabem que não há qualquer vantagem para a segurança; eles querem é que o motorista não acenda o farol e, dessa forma, alimente a infame indústria de multas que abastece os caixas de prefeituras, estados e União. Somos vacas prontas para a ordenha. O segundo motivo é tirar o foco das reais causas dos acidentes que matam mais de 40 mil brasileiros por ano: infraestrutura precária, má formação de motoristas, fiscalização ineficiente. Mas é mais fácil jogar a culpa nas vítimas, e assim somos vacas prontas para o abate.

Quando o Estado introduz uma nova legislação, revestida com as melhores intenções e empanada com os discursos mais elevados, pode ter certeza de que você vai perder. Seja a Lei Seca com tolerância zero ou a diminuição da velocidade máxima em vias urbanas, seja o extintor de incêndio ABC ou o kit de primeiros socorros, sejam os simuladores em autoescolas ou os radares em rodovias, o resultado é sempre o mesmo: a sua segurança não aumenta, mas o seu bolso fica mais vazio.

Rodrigo Makarios é engenheiro civil pela PUCPR.
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