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 | Rodolfo Bührer/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Rodolfo Bührer/Arquivo Gazeta do Povo

No início de julho, os promotores Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza publicaram, nesta Gazeta do Povo, artigo intitulado “Mentiras do Cárcere”, com críticas ao trabalho da Rede Justiça Criminal (RJC). Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a RJC reúne oito organizações da sociedade civil que atuam junto aos poderes públicos para garantir que a polícia, os tribunais e as prisões funcionem de acordo com preceitos e garantias constitucionais que, quer queiram ou não, ainda vigem neste país. Insista-se que são organizações com tradição de décadas de defesa dos direitos mais fundamentais da população brasileira.

Os autores desconhecem o trabalho da RJC, que jamais defendeu a impunidade e a liberdade para criminosos violentos que se constituam em risco concreto à vida das pessoas. Defende, sim, que os recursos dos impostos do povo brasileiro sejam usados com inteligência e eficácia. Como já dizia Douglas Hurd, ministro da Justiça inglês, a prisão é uma forma cara de tornar as pessoas piores. Crimes não violentos podem e devem ser punidos com alternativas penais, como a prestação gratuita de serviços à comunidade.

É importante dizer que inúmeras pesquisas já demonstraram que uma elevação de taxas de encarceramento não produz, como efeito, a redução da criminalidade nas mesmas proporções. Ou seja, é um equívoco apostar no encarceramento em massa como solução para a criminalidade violenta. Bruce Western, Marc Mauer e Jean Gainsborough já provaram tal tese para os Estados Unidos. Recentemente, Tiago Joffily, membro do Ministério Público, assim como os autores do texto, publicou texto irretocável que demonstra a falácia do argumento para o caso do Rio de Janeiro.

É um equívoco apostar no encarceramento em massa como solução para a criminalidade violenta

Ademais, a informação de que o Brasil está no 30.º lugar no “ranking do encarceramento” é fruto de uma distorção estatística. O dado gerado automaticamente no site do International Centre for Prison Studies (ICPS) se refere à taxa de aprisionamento por 100 mil habitantes. Diversos especialistas já afirmaram que este indicador não deve ser utilizado para analisar grupos populacionais muito reduzidos. Para se ter noção da gravidade desta distorção, 18 dos 30 primeiros países da lista citada pelos articulistas são pequenas ilhas, sendo a paradisíaca Seychelles a nação mais encarceradora do planeta. Também estão presentes na ponta do ranking países com pequenas populações como Belize, com pouco mais de 300 mil habitantes.

Por tudo isto, para se comparar taxas de encarceramento, o último Infopen considerou apenas os países com no mínimo 10 milhões de habitantes. Com essa correção, constatou-se que o Brasil tem a sexta maior taxa de presos por 100 mil habitantes no planeta – mais que o dobro da média mundial. Ou seja, bastaria consultar os dados oficiais para se afastar a suposição fantasiosa de que os índices de aprisionamento no Brasil sofrem de “raquitismo”.

Ao contrário do que costuma ser alardeado, as prisões brasileiras não estão repletas de pessoas condenadas por crimes violentos. 41% dos homens e mulheres privados da liberdade foram presos por crimes sem violência como furto (13%) e tráfico de drogas (28%). Quanto ao tráfico, pesquisas já demonstraram que a quase totalidade dos presos é primária, foi presa sem armas, com pequenas quantidades de drogas. Por outro lado, importante estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Ministério da Justiça (Depen) revelou que mais de 37% das pessoas presas, aguardando julgamento, acabam não recebendo uma pena de prisão quando julgadas.

Sempre é importante enfatizar que o perfil dos presos no Brasil reflete a absoluta seletividade do sistema de justiça criminal. A história das prisões no país reflete uma sociedade profundamente hierarquizada e racista. Uma sociedade hierarquizada e racista onde quem vai preso é o negro e o pobre e quem é morto é, também, o negro e o pobre. O Atlas da Violência de 2017 (Ipea e FBSP) mostrou que 71 em cada 100 homicídios no Brasil são de pessoas negras, em sua maioria jovens e do sexo masculino. Brancos são mortos? Sim. Em sua maior parte, brancos pobres, moradores de favelas e periferias.

Leia também:Mentiras do cárcere (artigo de Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza, publicado em 11 de julho de 2017)

Opinião da Gazeta:  O que fazer com nossas prisões? (editorial de 11 de janeiro de 2017)

A privação de liberdade é uma medida grave, com consequências que afetam não apenas a pessoa presa, mas todo o seu círculo familiar. A verdade é que, de um lado, temos uma política de segurança pública pautada pela produção de prisões em flagrante, cuja produtividade é avaliada independentemente de quem se esteja prendendo, se ladrões de xampu ou se vendedores de pequenas quantidades de droga; de outro, baixos investimentos em investigação e prevenção. O resultado dessa política míope não é mais segurança para a população.

É por isso que a Rede Justiça Criminal conclama a todos, autoridades responsáveis e sociedade civil, a avaliar, sempre, os custos e benefícios da pena de prisão. Nunca é demais lembrar que a política criminal em vigor atende mais a percepções e clamores populares, orientados pela exploração midiática de casos pontuais, do que a uma análise criteriosa das evidências empíricas, focada em transparência, regularidade e confiabilidade.

Janaína Homerin é secretária-executiva da Rede Justiça Criminal. Este artigo foi elaborado em colaboração com as oito organizações que fazem parte da Rede Justiça Criminal: Centro de Estudos em Segurança e Cidadania (CESeC); Conectas Direitos Humanos; Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop); Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC); Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD); Instituto Sou da Paz; Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH); e Justiça Global.
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