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Raymundo Faoro, em sua obra Formação do patronato político brasileiro, afirma que as características do capitalismo de Estado sempre estiveram presentes nas conquistas portuguesas. “O Estado se incha de servidores, que engrossam o estamento, ramificado na África, Ásia e América, mas sobretudo concentrado no reino, com a multidão de ‘pensionistas’ e dependentes, fidalgos e funcionários, todos sôfregos de ordenados, tenças e favores – o rei paga tudo, abusos e roubos, infortúnios comerciais e contratos fraudados”.

Um modelo capitalista como esse, politicamente orientado, que paira sobre uma nação e é por ela aceita, deixa de criar um núcleo de forças para dinamizar as relações econômicas e estimular a conformação de um modelo fundado na livre empresa. Onde se encontra a riqueza, aí está o rei. A sede por arrecadar impostos e sustentar suas extravagâncias e corrupção reprime possíveis iniciativas empreendedoras privadas ou as sujeita sempre à aprovação oficial, de acordo com seus interesses. A origem da burocracia sufocante que existe hoje em nosso país se deve à herança do capitalismo de Estado, que predominou na corte portuguesa desde a era dos descobrimentos.

A “corrupção de varejo” amortece a sociedade em relação à “grande corrupção de atacado”

O parágrafo que inicia este artigo possui a melhor descrição do modelo de capitalismo de Estado vigente no Brasil. Esse modelo torna o Estado extremamente burocrático, para que ele mantenha o controle de todos os movimentos da sociedade, sejam eles econômicos ou não, para que os governantes tenham certeza de que seus objetivos serão atingidos.

Outra característica importante de nossa herança portuguesa é o patrimonialismo, característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do público e do privado. No Brasil, o patrimonialismo apareceu no Estado colonial português e passou à posteridade como prática político-administrativa. Foi muito forte no período colonial, manteve-se intacto no período imperial e chegou sem mudanças até a República Velha, encerrada em 1930.

A ditadura de Vargas juntou ao patrimonialismo o paternalismo de Estado. Foi nesse período que se criou a maior parte das leis protecionistas, mantidas e até incrementadas pela Constituição de 1988. Por elas só o governo é capaz de definir o que é bom ou não para a sociedade e para os agentes econômicos. O paternalismo de Estado agrada tanto as camadas mais pobres da sociedade como os grandes empresários, uma vez que protege ambos.

Esse tipo de governo precisa exacerbar a burocracia em todos os níveis como instrumento de controle. Nada pode passar despercebido sob pena de o Estado perder ou o controle da situação ou os recursos necessários para sustentar o patrimonialismo e manter o paternalismo. Quanto mais burocracia, mais controle e mais corrupção, pela busca de saídas não ortodoxas para se conseguir “facilidades” onde existem “dificuldades”. A isso chamamos “corrupção de varejo” ou “pequenas corrupções” praticadas no dia a dia das pessoas.

A CGU recentemente lançou um programa conclamando a sociedade para um “diga não” quando for tentada a subornar o guarda para evitar uma multa, fazer “gato” na tevê a cabo, apresentar atestado médico falso, colar na prova, aceitar troco errado etc. Ora, é a “corrupção de varejo” que amortece a sociedade em relação à “grande corrupção de atacado” praticada por agentes públicos, que ainda imaginam não haver distinção entre os bens públicos e privados.

A “corrupção dos bilhões”, que começou nas décadas recentes – com a renúncia do presidente da República em 1992, minutos antes de o Congresso decretar o seu impedimento – e culminou com os vários bilhões da Operação Lava Jato, mostra que o patrimonialismo continua ativo entre os agentes do Estado brasileiro, sustentado por uma parte da elite empresarial que desde 1808, com a chegada de dom Pedro, se juntou às autoridades de plantão para drenar os recursos do Estado em proveito de ambos.

Olhando para o futuro, a sociedade terá de escolher entre continuar com a “corrupção de varejo”, fechando os olhos para a “corrupção de atacado”, ou passar o Brasil a limpo, através do voto e, ao mesmo tempo, oferecendo exemplos de honestidade e decência no seu comportamento diário.

Nelson Barrizzelli, economista, é especialista do Instituto Millenium.
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