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Infelizmente para nós, meros contribuintes, ninguém liga se o sistema é regressivo, complexo, cumulativo, injusto ou insustentável. O que importa são os recordes arrecadatórios

Em 1989, o tributarista gaúcho Alfredo Augusto Becker escreveu sua autobiografia que foi publicada com o sugestivo título de Carnaval Tributário. Perplexo com a quantidade e a variedade de tributos mascarados, Becker sugeriu que fosse formado o bloco carnavalesco Unidos da Vila Federal, que sairia assim: o presidente da República e o seu ministro da Fazenda desfilariam como abre-alas. O ritmo seria dado pelo fêmur dos contribuintes, que também forneceriam a pele para as cuícas.

Hoje, o carnaval continua – e está cada vez melhor para o bloco fiscal. Alguém duvida? Dados do Ministério da Fazenda demonstram que em 20 carnavais a arrecadação global da União, estados, municípios e Distrito Federal cresceu de 25% para 35% do PIB.

Por isso mesmo é que o Bloco da Reforma Fiscal não vai para a avenida neste e nos próximos anos. A fantasia é a de que "não há ambiente político", mas essa máscara já caiu: a verdade é que em time que está ganhando não se mexe.

Infelizmente para nós, meros contribuintes, ninguém liga se o sistema é regressivo, complexo, cumulativo, injusto ou insustentável. O que importa são os recordes arrecadatórios.

E os contribuintes se defendem como podem (aqueles que podem), fazendo com que mais de 30% da atividade do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sejam dedicadas aos conflitos fiscais.

Só que no Baile da Toga o contribuinte quase não tem vez. Lá os foliões são os do Bloco Fazendário, da Procuradoria da Fazenda Nacional, que ganha em quase todos os quesitos, desfilando alegorias e adereços de grande criatividade, mas sem muito pudor constitucional, como restrições das dedutibilidades, substituições para frente, fixação de pautas fiscais, vedações às compensações, eliminação de imunidades e muitas outras máscaras de injustiça fiscal.

Mas do Carnaval Tributário de 1989 para o de 2012, nem o confete e a serpentina continuam os mesmos, pesados que ficaram com 55% de impostos e contribuições. De lá para cá, vigorosas mudanças culturais e tecnológicas alteraram o samba-enredo e as fantasias da relação fiscal. Sociedade, economia, Estado e tecnologia não são mais os mesmos.

Basta observar, no desfile oficial, algumas das "alas" que merecem destaque. A primeira delas é a Ala Tecnológica. Hoje, aliás, o Carnaval Tributário é assustadoramente tecnológico. Nessa passarela entram a nota fiscal eletrônica (NF-e), o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob) e a recém-nascida Declaração de Serviços Médicos e de Saúde (Dimed), e muitas outras mais.

Todos esses componentes, aliás, sambam velozmente em um supercomputador – do tamanho de um carro alegórico – que recebeu a alcunha carinhosa de T-Rex, ou Tiranossauro Rex, e cujo destaque é sua "inteligência artificial" denominada de Harpia – a maior ave de rapina do mundo.

Logo, quem está na avenida, cuidado. Se tropeçar no Imposto de Renda Pessoa Física, o que não é difícil diante do baile das sutilezas legais, será atropelado, no cruzamento, pelo grande T-Rex.

Mas, se você, infelizmente, ganha tão pouco que nem foi convidado para o Baile do Leão, azar o seu, porque aí a carga tributária indireta – que incide sobre sua comida, bebida e a roupa que lhe cobre o corpo – é de 53,9%, segundo o Ipea. Carga fiscal de Rei Momo, justamente para os contribuintes mais desnutridos.

Mas uma das piores é a Ala das Sanções Políticas. É lá que se reúnem as exigências de Certidões Negativas de Débito para dispor de bens (CNDs), as invalidações de Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), a proibição de impressão de notas fiscais e até, como misteriosamente "aprovou" o Conselho Nacional de Justiça, o protesto da dívida fiscal. Essa ala é barra pesada.

No pequeno Bloco da Competitividade, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o solapamento da sustentabilidade econômica pela tributação se potencializa diante da globalização do mercado. Ou seja, nesse baile nossos produtos não entram.

Não há saída nessa avenida e, nesse autêntico Carnaval Tributário, a marchinha preferida é, desde sempre, "Me dá um dinheiro aí".

James Marins, presidente do Instituto Brasileiro de Procedimento e Processo Tributário, é advogado e pós-doutor em Direito do Estado pela Universitat de Barcelona. Professor titular da PUCPR e autor do livro Defesa e Vulnerabilidade do Contribuinte (Ed. Dialética).

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