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 | Nicole Xu for The New York Times
| Foto: Nicole Xu for The New York Times

Faz pouco mais de um ano que a diplomacia norte-americana entrou na Idade das Trevas, mas o tempo de luto já passou. O desdém da Casa Branca de Trump pela questão persiste e é muito provável que isso não mude – afinal, o novo assessor de segurança nacional, John Bolton, não é fã da diplomacia nem de diplomatas.

O melhor que o Corpo Diplomático e o pessoal dentro do governo ligado ao setor acadêmico e think tanks têm a fazer é se preparar bem e com sabedoria para o dia em que Trump deixar o cargo, de modo a garantir que ocorra uma renascença.

São poucos os diplomatas de carreira em Washington hoje que têm o que fazer. Alguns estão entre missões porque o governo atual ainda não conseguiu preencher centenas de vagas no Departamento de Estado; outros têm emprego, mas se veem cada vez mais ignorados e/ou deixados de lado. O único aspecto positivo disso é que agora têm tempo de se voltar para dentro e encontrar soluções para seus problemas – tanto os que foram criados pela negligência de Trump como os que há muito flagelam o departamento.

De fato, há até um precedente na história nacional: após a Guerra Civil, o Congresso fez cortes drásticos no orçamento do Exército, que perdeu a noção de sua missão. O moral sofreu. Por isso, os oficiais visionários e mais expeditos começaram a pensar e a escrever sobre os meios de iniciar reformas e reforçar o profissionalismo, preparando-se para o fim daquele período sombrio.

Períodos anormais como o atual exigem líderes naturais que tomem a iniciativa e mobilizem os colegas para criar uma saída para a revitalização

Um dos maiores desafios culturais do serviço diplomático moderno é a geração espontânea de líderes legítimos, ainda que informais, em suas fileiras, independentemente de posições ou títulos. Essa é uma das razões pelas quais ninguém se destacou como representante da insatisfação atual com a guerra travada contra a diplomacia pelo governo. Mesmo em situações normais, os profissionais de carreira tendem a manter uma atitude discreta e não fazer muito alarde.

Ora, é preciso superar isso. Períodos anormais como o atual exigem líderes naturais que tomem a iniciativa e mobilizem os colegas para criar uma saída para a revitalização.

Como mostrou a tão falada – mas fracassada – tentativa do ex-secretário de Estado Rex Tillerson de “reformular” o departamento, é muito pouco provável que as verdadeiras reformas na condução da diplomacia nacional sejam feitas pelas indicações políticas. De acordo com um relatório recente, Tillerson gastou US$ 12 milhões com consultores que não sabiam nada sobre o Departamento de Estado e produziram pouco ou quase nada de valor.

As ideias valorosas têm mais chances de surgir das categorias profissionais, mas não por ordem dos chefes. Qualquer mudança mais significativa teria de ser aprovada pela chefia do departamento; entretanto, em uma administração normal, aos diplomatas de carreira são confiados alguns desses postos mais destacados, como também a indicados políticos, e podem exercer alguma influência externa. Isso seria mais fácil com ideias estimulantes e inovadoras. E não faria mal nenhum ter aliados poderosos no Capitólio – afinal, foi somente graças ao Congresso que o orçamento do Departamento de Estado não perdeu uma fatia de 30%, como a Casa Branca queria.

Leia também: A guerra comercial entre EUA e China (editorial de 18 de abril de 2018)

Leia também: Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente? (artigo de Paulo Roberto de Almeida, publicado em 28 de novembro de 2017)

Para essa empreitada, é crucial se concentrar nas questões certas, como as capacidades em longo prazo e a cultura institucional, e não nos detalhes técnicos. Por exemplo, a diplomacia norte-americana é mais reativa do que proativa há muito tempo. Como mudar isso? A cultura do Corpo Diplomático se baseia demais na improvisação e não no pensamento estratégico, como deveria. William J. Burns, ex-vice-secretário de Estado, uma vez me disse que o diplomata de carreira “se orgulha perversamente de sua habilidade de rápida adaptação a circunstâncias diferentes, mas não é muito sistemático em relação ao processo da realização”.

Outro problema é o volume absurdo de burocracia de que os diplomatas no exterior têm de cuidar, em vez de se concentrar na prática da diplomacia; muitos se referem à correspondência eletrônica como “i-nferno”. E ela acaba impedindo as razões pelas quais estão vivendo em países estrangeiros, ou seja, compreensão e análise dos desenvolvimentos locais e o engajamento com a sociedade local para uma melhor transmissão das políticas dos EUA.

O que dizer dos “buracos” que se formam no estrangeiro todo ano, no verão, quando os funcionários assumem as novas funções nas embaixadas e consulados semanas, às vezes meses depois que seus antecessores já partiram? Mesmo na época da comunicação instantânea, isso gera uma falta de continuidade e a necessidade de reinvenção da roda para praticamente todo o quadro.

Em relação àqueles que não fazem parte do governo, os think tanks voltados para o exterior podem ajudar, produzindo pesquisas sobre tendências e inovações na prática diplomática. Em grande parte, eles ignoram essa ação, alegando que sua missão é estudar a política externa, e não ao que alguns chamam o “maquinário” que a opera. A principal razão para isso é a verba: é muito mais fácil encontrar doadores dispostos a financiar pesquisas sobre políticas, pois esperam com isso poder influenciar as decisões governamentais. Entretanto, dados os danos causados ao maquinário, corrigir o processo será tão importante quanto o teor das políticas quando chegar o fim deste período tenebroso.

A doutrina e as ações do governo atual diminuíram significativamente o atrativo da diplomacia como carreira para os jovens norte-americanos

O setor acadêmico também pode ajudar. A doutrina e as ações do governo atual diminuíram significativamente o atrativo da diplomacia como carreira para os jovens norte-americanos. E o resultado é que o número de inscritos no exame de admissão no Corpo Diplomático caiu quase pela metade desde a eleição de Trump – e, em comparação com os números anteriores aos de 2017, pouco mais de um terço de novos oficiais estão sendo admitidos no serviço diplomático.

É vital manter vivo o interesse das novas gerações na carreira diplomática; o problema está em encontrar faculdades e universidades nos EUA (e no mundo, em geral) que ofereçam cursos – não de Relações Internacionais, mas de Prática Diplomática. Mesmo as instituições que incluem as palavras “diplomacia” e “serviço diplomático” não têm mais do que alguns créditos relacionados à matéria, um deles geralmente para falar de sua história.

Com essa finalidade, a minha instituição – a Academia Diplomática Internacional de Washington –, que forma diplomatas e outros profissionais na área de relações exteriores de várias partes do mundo, estará realizando pela primeira vez um curso de treinamento prático em meados deste ano. Os inscritos aprenderão o que está se tornando uma arte perdida, como também capacidades específicas, com alguns dos melhores diplomatas dos últimos anos, incluindo refugiados recentes do Departamento de Estado. Apesar disso, ainda preferiria ver dezenas de universidades oferecendo currículos profissionalizantes na área.

Quanto mais os EUA demorarem a demonstrar o poder de sua força diplomática, pior a atrofia se tornará. Os futuros líderes do Corpo Diplomático ainda podem surgir das fileiras atuais ou entre os universitários. Naturalmente aspirarão a cargos como o de embaixador ou secretário-assistente, mas, uma vez que chegarem ao topo, apesar das grandes exigências políticas da posição, deverão encontrar tempo para cuidar dos colegas. Afinal, em períodos sombrios ou prósperos, ninguém mais o fará.

Nicholas Kralev é diretor-executivo da Academia Diplomática Internacional de Washington e autor de “America’s Other Army: The U.S. Foreign Service and 21st-Century Diplomacy”.
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