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| Foto: Fred Dufour/AFP

A recém-concluída viagem de Trump à Ásia tinha potencial para assegurar e desenvolver importantes interesses econômicos e de segurança. Planejada corretamente, a missão ambiciosa de 12 dias em cinco países teria estabilizado o início turbulento de seu governo nessa região tão importante. Porém, deixou os Estados Unidos mais isolados, em posição acuada, entregando a liderança do “corredor indo-pacífico” para a China em uma bandeja de prata.

A viagem começou com um desempenho até sólido no Japão e na Coreia, onde as palavras relativamente comedidas do presidente asseguraram a nossos aliados essenciais o compromisso com sua segurança. Deixando de lado a retórica belicosa, instou ambas as nações a comprarem mais equipamentos militares norte-americanos e reabriu a porta da diplomacia com a Coreia do Norte. O mau tempo restringiu a visita-surpresa que faria à Zona Desmilitarizada – o que pode ter sido até melhor, já que possíveis palavras hostis talvez levassem a ações no mesmo nível.

Na China, porém, o ônibus de sua diplomacia já começou a perder o rumo. A liderança local manipulou Trump como bem quis, aproveitando-se de seu ego insaciável e substituindo a substância por pompa e circunstância.

A China sempre preferiu cercar as visitas oficiais de cerimônia em vez de se ater a um compromisso político – o que parece satisfazer Trump plenamente, já que ele aceitou de bom grado a ladainha chinesa para a rejeição antiga de uma Coreia do Norte nuclear e não conseguiu obter novas concessões ou promessas. Ele também se acomodou com o anúncio de US$ 250 bilhões em acordos comerciais e investimentos, muitos dos quais não vinculativos e, nas palavras do próprio Secretário de Estado, Rex Tillerson, “bem pequenos”. Dos pactos para a melhoria de acesso de mercado e/ou redução dos requisitos de compartilhamento de tecnologia para as empresas norte-americanas que quiserem fazer negócio na China, nem sinal.

Cenas de um presidente norte-americano adulando o colega chinês deixam os aliados dos EUA de cabelo em pé

Trump encheu Xi Jinping de elogios constrangedoramente rasgados, classificando-o como “um homem muito especial” e fazendo questão de deixar claro seu “incrível afeto” pelo chinês. Culpou seus antecessores, e não a China, por nosso imenso déficit na balança comercial e elogiou a consolidação do poder autoritário de Xi. Cenas como essas, de um presidente norte-americano adulando o colega chinês, deixaram de cabelo em pé não só os especialistas em Ásia, mas também os aliados dos EUA que dependem do nosso país para equilibrar e, às vezes, reagir a uma China cada vez mais assertiva. O desalento coletivo só não foi maior que a incapacidade de Trump de mencionar publicamente qualquer preocupação com as disputas no Mar da China Meridional ou mesmo insistir para que a imprensa de seu país pudesse fazer perguntas aos líderes.

Segundo Tillerson, essas demonstrações espantosas de afeição trumpiana foram complementadas por discussões mais concretas, a portas fechadas. Com exceção da mudança climática, o governo, sabiamente, parece ter se comprometido a continuar a cooperação com a China em diversas áreas fundamentais – mas o fato é que a diplomacia intensa às vésperas desses encontros cruciais poderia ter rendido bons resultados, levando ao avanço de interesses mútuos e evitando a preferência dos chineses, que é de exibição, e não consistência. Dessa vez, não deu para saber se tal diplomacia foi exercida e o resultado é que nenhum avanço político novo parece ter sido obtido.

Ao contrário, Barack Obama enviava seus assessores de segurança nacional à China antes dos encontros de meio de ano. Em 2014, concordamos em tomar medidas de fortalecimento de confiança militar, estabelecemos uma cooperação de combate ao ebola, a extensão de validade de visto e uma resolução histórica sobre a mudança climática, que levou ao Acordo de Paris. Em 2015, conseguimos que a China se comprometesse a reduzir os roubos cibernéticos da propriedade intelectual norte-americana para ganho comercial e a cooperar com o desenvolvimento e a segurança da saúde global. Em 2016, a China reforçou seu compromisso de combater os precursores do Fentanil, apoiar as forças de paz da ONU e garantir a segurança nuclear.

Demétrio Magnoli: O último imperador da China (5 de novembro de 2017)

As duas últimas paradas, no Vietnã e nas Filipinas, foram as mais problemáticas. Na reunião da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, Trump fez um discurso nacionalista e cáustico sobre o setor comercial que fez com que os EUA parecessem furiosos, tornando-nos assim ainda mais isolados. E não fez progresso em relação aos acordos bilaterais que quer que substituam os multilaterais.

Em vez disso, os líderes dos 11 países que restam na Parceria Transpacífico anunciaram a intenção de refazer o acordo sem os EUA, deixando-nos de fora do maior acordo comercial do mundo, o mesmo que já defendemos com a intenção de solidificar nossa economia e a liderança estratégica na região. Curiosamente, após a fala hostil de Trump, Xi exaltou o mercado aberto, o comércio justo e os benefícios da globalização, ideias que podem ter sido semeadas a partir das atitudes dos presidentes norte-americanos anteriores.

Leia também:A economia de Donald Trump (artigo de Paulo Figueiredo Filho, publicado em 2 de agosto de 2017)

Por fim, a frágil autodisciplina do presidente foi para o espaço graças aos tuítes bizarros que disparou ao longo do fim de semana, incluindo alguns sobre Kim Jong-un, o líder norte-coreano, que desacreditam a mensagem sóbria que deixou em Seul. Além disso, a oferta arrogante que fez para mediar as disputas da China com os vizinhos no Mar da China Meridional, seu silêncio em relação às violações dos direitos humanos e, acima de tudo, a defesa perturbadora das mentiras de Vladimir Putin e a negação que tenha interferido em nossas eleições, mais as ofensas que fez contra a comunidade de inteligência de seu próprio país em solo estrangeiro, superaram qualquer esforço de estabelecimento de uma liderança norte-americana de credibilidade.

A forma despreocupada com que Trump lidou com um assassino confesso – o presidente filipino, Rodrigo Duterte – foi a cereja do bolo de uma viagem promissora e importante e alijou nossa liderança naquele continente. Entretanto, talvez tenha sido a conclusão perfeita, ainda que não intencional, da turnê do presidente para restaurar a grandeza... da China.

Susan E. Rice foi assessora de segurança nacional de 2013 a 2017 e embaixadora dos EUA na ONU de 2009 a 2013.
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