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Felile Lima

Quem ainda lembra de Eduardo Saboia, o encarregado de negócios da embaixada do Brasil em La Paz, na Bolívia, que em agosto de 2013 retirou, em fuga daquele país, o senador Roger Pinto Molina, desencadeando uma crise diplomática que culminou com a demissão do chanceler brasileiro Antônio Patriota?

Recordemos: cerca de um ano antes, em 8 de junho de 2012, o governo brasileiro confirmou a concessão do asilo já ofertado a Pinto Molina pelo embaixador brasileiro em La Paz à época, Marcel Biato. Na sequência, em julho, o vice-presidente da Bolívia ameaçou o Brasil com retaliações e afirmou que a concessão do asilo ao senador fora um “ato desatinado” do governo brasileiro; na mesma oportunidade, pediu publicamente a cabeça do embaixador Marcel Biato e pressionou o senador a apresentar-se à Justiça boliviana sob pena de invasão da Embaixada do Brasil.

Foi então que, obedecendo às ordens da Bolívia, o governo brasileiro “exonerou” o embaixador Biato, que voltou para o Brasil e foi parar nos escaninhos gelados dos precocemente aposentados do Itamaraty. E nenhum outro diplomata foi nomeado para a sua função em La Paz. Na vacância do cargo, Eduardo Saboia assumiu, precariamente, a chefia da missão diplomática na Bolívia – para a sorte do senador Roger Molina.

Pouco a pouco o Brasil recobra sua honradez e altivez diplomáticas

Nesse ínterim, voltamos a receber ordens de Evo Morales. Sua ministra da Justiça, Cecília Ayllón, desembarcou no Brasil e mandou o governo brasileiro dar instruções a Saboia para que retirasse o senador Pinto Molina do território boliviano e o conduzisse a um terceiro país sob “as vistas grossas do governo de Evo Morales”. Saboia se negou. Sabia-se que o senador, pisando fora da Embaixada do Brasil, seria assassinado a mando de Evo Morales e seus asseclas. Foi justamente por temer por sua vida, após ser alvo de perseguição quando denunciou a ligação do governo de Morales com o narcotráfico, os atos de corrupção crônicos e a venda de bens públicos, que o senador Pinto Molina se refugiou na sede da missão diplomática brasileira em La Paz com pedido de asilo e proteção ao governo brasileiro, em 28 de maio de 2012.

Diante da negativa de Saboia, Evo Morales pessoalmente pressionou a presidente Dilma Rousseff para que resolvesse o problema de uma vez por todas. Em maio de 2013, desembarcou em La Paz o chefe da Divisão Meridional do Itamaraty, propondo ao senador Pinto Molina que abrisse mão do asilo no Brasil e deixasse a embaixada dirigindo-se a um terceiro país. “Prefiro cortar os pulsos”, disse o senador.

Não tardou: em 22 de agosto de 2013, Eduardo Saboia retirou o senador da embaixada brasileira. Dirigiu até Corumbá (MS) e, por avião, chegou a Brasília, protegido pelo senador brasileiro Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Estava criado o mais grave incidente diplomático da era do “nunca antes na diplomacia brasileira”.

Antônio Patriota, pressionado, deixou a Chancelaria e foi deslocado para representar o Brasil na ONU, enquanto Marcel Biato, punido, viu retirada, pela presidente Dilma, sua indicação para a Embaixada do Brasil na Suécia. Do lado mais fraco, Eduardo Saboia sofreu sindicância e quase perdeu o cargo de diplomata.

Foi preciso esperar a mudança do chefe de Estado e do chanceler no Brasil para que a justiça fosse feita a Biato e Saboia. Em 10 de outubro de 2016, Marcel Biato foi nomeado pelo presidente Michel Temer como embaixador do Brasil na Agência Internacional da Energia Atômica, com sede em Viena, um dos cargos mais prestigiosos do mundo. Mais recentemente, em 30 de dezembro de 2016, o diplomata Eduardo Saboia foi promovido a embaixador, podendo, agora, não apenas sair da geladeira como também ocupar os cargos de mais alta hierarquia nas embaixadas brasileiras no exterior.

Pouco a pouco o Brasil recobra sua honradez e altivez diplomáticas. E os brasileiros agradecem.

Maristela Basso, advogada, é professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).
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