• Carregando...
 | Lula Marques/Agência PT
| Foto: Lula Marques/Agência PT

O governo Michel Temer defende a revisão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que a pena somente deve ser executada depois de esgotados todos os recursos da defesa, o chamado trânsito em julgado.

Em outubro do ano passado, por seis votos a cinco, o Supremo decidiu pela admissibilidade da prisão após a condenação em segundo grau, ao negar liminar em ações ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional (PEN). O tema voltará a ser analisado no plenário em breve, uma vez que o relator Marco Aurélio Mello pretende liberar os processos para julgamento de mérito. Além da Presidência, o ministro solicitou informações ao Senado e à Câmara.

A decisão de outubro passado, segundo a AGU, “flexibilizou o princípio da presunção de inocência”. “Em nosso regime constitucional, a presunção de inocência é direito fundamental e seus conteúdo e alcance influenciam todo o arcabouço jurídico criminal”, escreveu o órgão do governo.

A bandidagem conhece a morosidade do Judiciário e aposta todas as fichas na prescrição dos crimes

A possibilidade de revisão do entendimento sobre o tema no STF agora deve depender do posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, sucessor de Teori Zavascki, morto em janeiro, e indicado por Temer. A corrente vencedora teve votos de Zavascki e Gilmar Mendes. No entanto, posteriormente, Mendes passou a concordar com o voto de Dias Toffoli naquele julgamento, no sentido de que a pena deveria aguardar recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para ser executada.

É possível, porém, que Rosa Weber faça uma mudança na direção contrária à de Gilmar, aderindo à visão de que é possível a prisão após condenação em segunda instância. Ela já afirmou que “continua refletindo” sobre o tema. Se essas duas alterações ocorrerem, o placar estaria empatado, e o peso do voto decisivo estaria com Moraes.

Independentemente da retidão das posições defendidas, uma eventual revisão do entendimento sobre o tema no STF pode, na prática, melar o trabalho da Lava Jato, comprometer gravemente o esforço de combate à corrupção e desembocar no pântano da impunidade.

Leia também:  O STF e a impunidade (editorial de 26 de agosto de 2017)

Na verdade, a possibilidade concreta de cadeia, consequência da condenação em segunda instância, acionou, à direita e à esquerda, o alerta vermelho no submundo da cultura da corrupção. Por trás dos embargos e recursos dos advogados, ferramentas legítimas do direito de defesa, o que se oculta é um objetivo bem determinado: a impunidade. A bandidagem conhece a morosidade do Judiciário e aposta todas as fichas na prescrição dos crimes. Trânsito em julgado, no Brasil, é o outro nome da impunidade.

Está nas mãos do Supremo assumir o papel histórico de defesa da democracia e dos valores republicanos ou – Deus não queira – virar as costas para a cidadania. A sociedade tem o direito de confiar nos ministros do STF. Eles saberão honrar suas togas e sua biografia. Os brasileiros esperam que os ministros respondam à indignação da sociedade.

Leia também:  O STF e o mandato parlamentar (editorial de 15 de outubro de 2017)

Uma democracia se constrói na adversidade. O Brasil, felizmente, ainda conta com um Ministério Público atuante, um Judiciário (não obstante decepções pontuais) bastante razoável e uma imprensa que não se dobra às pressões do poder. É preciso, no entanto, que a sociedade, sobretudo a classe média, mais informada e educada, assuma o seu papel no combate à corrupção. As massas miseráveis, reféns do populismo interesseiro, da desinformação e da insensibilidade de certa elite, só serão acordadas se a classe média, fiel da balança de qualquer democracia, decidir dar um basta à vilania que tomou conta do núcleo do poder.

A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Esperemos, todos, que o Supremo Tribunal Federal, instituição exemplar ao longo da história deste país, não decida na contramão da cidadania. A admissibilidade da prisão após o recurso em segundo grau pode mudar a cara do Brasil.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]