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| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Em pouco mais de um ano, as feições da economia brasileira sofreram alterações nada desprezíveis, determinadas pela saída da UTI, onde estava submetida ao tratamento da moléstia conhecida como estagflação (caracterizada pela convivência perversa entre inflação e recessão), e o ingresso na enfermaria da estagnação, marcada pela ausência de expansão, ou evolução do PIB inferior ao ritmo de aumento da população economicamente ativa (PEA), avaliado em 1,2% ao ano.

Em outras palavras, mesmo tendo conseguido, mais uma vez, vencer a batalha contra o recrudescimento da espiral de preços, plantado em 2015, a nação está encalhada ou, na melhor das hipóteses, avançando de lado, no fundo do poço depressivo atingido no fim de 2016, evento absolutamente normal em movimentos de escape de ambientes adversos em economias capitalistas, notabilizados pela utilização das margens de ociosidade dos fatores de produção fixos (máquinas, equipamentos e instalações) e variáveis (mão de obra).

Do contrário, o sistema ficaria sujeito a espasmos de crescimento, desprovidos de pilares firmes e costumeiramente vinculados a incursões heterodoxas, capazes de permitir a desejada, porém temporária, aproximação do paraíso, que, sem a obrigatória hospedagem no purgatório, representa inevitavelmente a aquisição da passagem em direção ao inferno. A expressão “voo da galinha” permanece adequada para explicar o fenômeno.

O abrupto declínio da inflação está associado ao enfraquecimento da demanda doméstica

Percebe-se que o abrupto declínio da inflação – de 11,7% ao ano em janeiro de 2016 para 4,6% ao ano em março de 2017 – está intimamente associado ao enfraquecimento da demanda doméstica, provocado pela maior e mais longa contração da produção e negócios da história brasileira, que reduziu drasticamente os lucros privados e a massa de renda da força de trabalho, ocasionada por desocupação recorde de 13,5 milhões de pessoas.

Pelo ângulo dos indicadores da economia real, observa-se lenta, difusa e modesta retomada de fôlego das transações, mesmo considerando a referência de confronto deprimida, do início de 2016, e com enorme colaboração do agronegócio. A produção industrial cresceu 0,3% no primeiro bimestre de 2017, em cotejo com o mesmo intervalo de 2016, ancorada em bens de consumo duráveis (+11,6%) e de capital (+3,7%, máquinas agrícolas e para a construção), segundo o IBGE.

Em contraposição, pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra a persistência da fase de baixa do setor industrial nos primeiros dois meses de 2017, em relação a janeiro-fevereiro de 2016. Houve regressão em todos os itens acompanhados: faturamento real (-8,4%); horas trabalhadas (-2,9%); emprego (-4,3%); massa de salários reais (-6,2%); e rendimento médio real (-2%). A utilização da capacidade instalada declinou de 76,6%, em fevereiro de 2016, para 76%, em fevereiro de 2017.

No fundo, a transformação das esperanças em recuperação e fortalecimento da economia requer o prosseguimento da queda da inflação, o mergulho dos juros e o avanço das mudanças de base, essenciais, respectivamente, à reconstituição do poder aquisitivo da população e à desindexação, à compressão do preço do crédito e à valorização dos ativos reais, em detrimento das aplicações financeiras, e ao restabelecimento do equilíbrio das contas públicas.

Contudo, a concretização dessa complexa tarefa permanece a tropeçar em pedras exógenas ao núcleo do tecido econômico, sintetizadas em acentuadas resistências de segmentos com elevado poder de mercado e nas desesperadas empreitadas de sobrevivência realizadas por enorme contingente de políticos, amedrontados com a forma e o conteúdo da Operação Lava Jato e preocupados com os arranjos eleitorais de 2018.

Gilmar Mendes Lourenço, economista e ex-presidente do Ipardes, é professor da FAE Business School.
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