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Está em discussão na Câmara dos Deputados um projeto de lei para alterar a Lei 12.850/2013, que disciplina, entre outros temas, a delação premiada. A larga – e talvez abusiva – utilização desse instituto requer reflexão mais detida.

Analiso, primeiro, a relação entre meios e fins. Fins não justificam meios; fins e meios precisam ser legítimos. No Brasil, a legitimidade da atuação da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário decorre da conformidade com a Constituição e as leis. A legalidade dos atos do Poder Público, pois, é ponto de partida e chegada. Comportamentos fora dos limites constitucionais e legais são inadmissíveis, assim como são vedados procedimentos ou medidas não previstos na ordem jurídica. Portanto, a regulamentação da delação se faz necessária para garantir a legalidade dos procedimentos e, principalmente, atribuir segurança jurídica para delatores e delatados, diminuindo os questionamentos em torno da validade dos acordos.

O problema reside no abuso das prisões preventivas, na decretação fora das hipóteses legais com o propósito (aberto ou disfarçado) de obter a delação

Proibir a colaboração premiada para presos é desconsiderar sua dupla funcionalidade

A colaboração não serve apenas aos propósitos do Estado na ampliação do alcance dos resultados de investigação. Serve, em igual medida, como instrumento que amplia a defesa dos réus

Leia artigo completo de Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, procurador de Justiça

O projeto de lei encaminhado ao Congresso se preocupou em demasia com a (im)possibilidade de se realizar o acordo de delação quando o acusado está preso. A preocupação é procedente, mas a solução não me parece correta. Como tem sido afirmado, a delação é um direito do acusado e, portanto, está compreendida na garantia constitucional à ampla defesa e ao devido processo. Impossibilitar a delação de alguém que se encontra preso significa sonegar um meio de defesa importante e cercear indevidamente o direito de liberdade.

O problema reside no abuso das prisões preventivas, na decretação fora das hipóteses legais com o propósito (aberto ou disfarçado) de obter a delação. São ilegais prisões decretadas por fatos ocorridos há dois, três, quatro, onze anos em algumas hipóteses, sem que haja um fato concreto e contemporâneo apto a justificá-las. Prisões preventivas não podem ser decretadas apenas por que o fato é grave ou por que é necessário dar uma satisfação à sociedade.

O vazamento dos depoimentos prestados na colaboração é outro falso problema, pois o projeto pretende criminalizar conduta já prevista na lei como crime. O defeito está na impunidade, pois na maioria dos casos não há notícia de investigações para apurar os responsáveis pelos vazamentos.

Outros temas importantes ficaram de fora do projeto de lei, que não contempla, por exemplo, a proibição de utilizar o delator como espécie de “agente infiltrado”, realizando gravações de diálogos mantidos com outros suspeitos, induzindo-os a se manifestar sobre fatos e pessoas e impedindo-os de exercer o direito ao silêncio, assegurado na Constituição. O projeto deveria tratar, ainda, dos procedimentos e limites para a fixação das penas. A regulamentação existente é precária, permite atuação discricionária, com a criação de penas e regimes de cumprimento sem qualquer previsão legal. As penas são fixadas antes mesmo do fim do processo e da verificação dos méritos da colaboração, violando o princípio nulla poena sine judicio .

A regulamentação é, enfim, necessária para sustentar a legalidade da delação e afastar definitivamente os pontos em que contraria direitos e garantias previstos na Constituição.

José Carlos Cal Garcia Filho, advogado criminal.
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