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A punição do crime de aborto

Poderia o aborto deixar de ser crime?

A minha resposta é não, pois o aborto sempre elimina uma vida humana inocente, e o direito à vida é o mais básico de todos os direitos humanos. Nessa perspectiva, os países em que o aborto foi legalizado ou "descriminalizado" na verdade oficializaram uma violação de direito humano.

Leia a opinião completa de Lenise Garcia, professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília, é presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.

A sociedade brasileira se questiona sobre "legalização" do aborto. A questão que se põe é da descriminalização ou despenalização do aborto, ligada a bases sociais e políticas das quais não pode ser separada. Primeiro, vivemos em um Estado laico; segundo, os valores de crentes ou de políticos não podem se impor a toda a nação.

Descriminalizar consiste em reconhecer atípico um fato. Ora, é impossível que, sem uma dose de hipocrisia, não se compreenda que a descriminalização do aborto não significa a sua liberação, muito menos o seu estímulo ou o seu "legalizar". Permanecerá típico, imoral, indecente ou o que quer que se queira do ponto de vista moral, ético e reprovável nas comunidades de fé.

Descriminalizar consiste em retirar da esfera jurídica o ato de interromper voluntariamente a gravidez, deixando exclusivamente na esfera da saúde e da consciência da mulher o exercício dos direitos reprodutivos de levar a termo a gravidez. Visa a supressão de aplicação da pena, quando a interrupção é praticada pela gestante ou de acordo com sua vontade. Permanecerá como ilícito ou crime nos casos em que, vítima de qualquer violência, a mulher sofra o aborto contra a sua vontade e sua consciência.

No entanto, ao confundirmos a interrupção voluntária da gravidez com o aborto, provocamos uma sanção moral e religiosa que se impõe arbitrariamente a toda a população.

Defender o direito de a mulher escolher sobre o prosseguimento ou não de uma gravidez está no campo das difíceis e dolorosas decisões que a mulher, e só ela, pode tomar quanto à sanidade do ato da maternidade.

Nos artigos 124 a 127 do Código Penal está inscrito o tipo penal aborto. Por tal, no voto do ministro Cezar Peluzo, do qual discordamos em tese, quando alinhava inexistir motivo ético ou jurídico que justifique a decisão do STF de permitir o aborto de fetos anencefálicos, não foi possível autorizá-lo. A ADPF 54 deixa claro o repúdio à criminalização, ao sofrimento de milhares de mulheres, e denuncia a hipocrisia reinante no Congresso, que se nega a cumprir seu dever de mudar a lei para acompanhar o desenvolvimento da sociedade.

É direito fundamental e da dignidade humana a defesa da saúde mental e física da mulher. Com Ronald Dworkin, no livro Domínio da Vida, concordamos: "Gostaria muito de convencer essas pessoas (defensoras da criminalização do aborto), caso estejam dispostas a ouvir-me, de que elas compreenderam mal o fundamento de suas próprias convicções. Ou, de qualquer modo, de que existe um enfoque convincente da controvérsia moral que lhes permitiria continuar a acreditar, com plena convicção, que o aborto é moralmente condenável, mas também a acreditar, com igual fervor, que as mulheres grávidas devem ser livres para tomar uma decisão diferente se suas próprias convicções assim o permitirem ou exigirem".

Compreender a gravidez como direito da mulher, e defendê-la como uma escolha possível, torna incompreensível a aplicação do tipo penal aborto à interrupção voluntária da gravidez.

A pena a uma mulher que não pode concluir sua gestação produz duas situações absurdas: primeiro, o valor vida fetal se opõe à vida materna, e se impõe como valor absoluto; segundo, a pena, no caso do aborto, é meramente castigo que estigmatiza, desvaloriza e a torna culpada de algo brutal psicológica, moral e socialmente.

Uma leitura atenta do aborto como problema social e de saúde denuncia que a atual situação é absolutamente insustentável. Que a penalização só se justifica na confusão entre Estado e igreja, e pela covardia do legislador, que não cumpre o dever de dar à nação brasileira uma legislação laica!

Laércio Lopes de Araujo, médico e bacharel em Direito pela UFPR, exerce a psiquiatria há 25 anos.

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