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Os atentados ocorridos no dia 13, em Paris, representam uma autêntica tragédia para a humanidade e um golpe nas ambições humanistas que muitos, de modo cada vez mais pessimista, nutrimos.

Particularmente, tenho algum receio de doutrinas que pregam a universalização acrítica de determinadas tradições, mas, se há alguma virtude ocidental que pode – e deve – ser constantemente promovida, acredito que seja a tolerância, que se vincula de modo imediato à própria ideia de democracia.

O problema é: como lidar com atitudes e discursos que, compartilhando uma mesma arena pública (no caso, o Estado francês), têm em sua gênese a intolerância? A tragédia de Paris parece ser um exemplo paradigmático desse paradoxo, mencionado por Karl Popper em Conjecturas e Refutações. De fato, os terroristas, membros do Estado Islâmico, não demonstram qualquer disposição ao diálogo. Se tolerarmos essas atitudes, acabaremos conosco próprios e também com a postura e o ambiente de tolerância. Substitui-se o debate aberto pelas armas e não sobra muita coisa para além da vontade de quem detém o poder. Então, mesmo uma cultura que vê na tolerância um ideal não deve tolerar esse tipo de postura, sob pena de aniquilar a si mesma.

Os terroristas não demonstram qualquer disposição ao diálogo. Se tolerarmos essas atitudes, acabaremos conosco próprios

Mas, ao mesmo tempo, as eventuais medidas a serem tomadas contra a intolerância devem trazer consigo muita cautela. Quanto a isso, penso ser importante delimitar quem são os intolerantes, no que devemos evitar generalizações e argumentos ou soluções simplistas. Conquanto a democracia enquanto filosofia e enquanto sistema político tenha nascido no Ocidente, a atitude de intolerância, sobretudo nos níveis absurdos desses atentados, não é inerente à tradição islâmica, ao contrário do que costuma ser difundido. O terrorismo é praticado por extremistas, fundamentalistas; e extremistas e fundamentalistas cristãos há aos montes – basta, para isso, uma rápida olhada em nosso Congresso ou mesmo entre nossos amigos mais próximos. A diferença é que, no caso de alguns dos nossos representantes, se trata de uma intolerância institucionalizada e hegemônica, que não carece do uso de bombas e metralhadoras para se afirmar, e dirigida a grupos minoritários, muito frequentemente desprovidos do apoio e da empatia da maioria.

Por isso, devemos atentar para não cair nos discursos rasos e xenófobos que certamente começarão a aparecer. É comum e até compreensível que não muçulmanos vejam-se tentados a defender medidas que violam ou retiram direitos de muçulmanos, associando-os imediatamente ao terrorismo, mas isso me parece, além de cientificamente equivocado – porque consiste numa generalização e numa primeira impressão ou preconceito alheio à reflexão –, moralmente errado e muito perigoso, pelas consequências que acarreta: o círculo vicioso só tende a continuar.

Também, senão especialmente, em situações extremas, que pedem soluções imediatas, não podemos nos furtar à reflexão.

De todo modo, esse tipo de acontecimento, ultimamente tão comum, não deixa de nos proporcionar aquele sentimento descrito por Guimarães Rosa, no Grande Sertão, por meio de Riobaldo: o medo do homem, do homem humano! Há limites para ele?

André Felipe Portugal é mestrando em Direito Constitucional pela Univesidade de Coimbra (Portugal).
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