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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Uma rápida deterioração da situação financeira de muitos produtores agrícolas tem sido observada desde 2014. A inadimplência no setor se tornou um elemento inquietante e já atingiu mais que o dobro do nível histórico em julho deste ano (2,04%), segundo dados do Banco Central. Essa situação poderia ter sido evitada pelos produtores com três medidas simples: regras de limite de tomada de risco financeiro, expansão na proporção em que se acumula capital próprio e reservas para intempéries.

Quando se fala em deterioração financeira, o que tende a vir a nossa cabeça são quebra de safra, queda de preços ou aumento de juros. É inegável a influência desses fenômenos, porém, ao examinar centenas de casos nos últimos 11 anos, as razões primordiais para a piora financeira são, principalmente, expansão rápida e investimentos fora do negócio agrícola.

Tipicamente, o imbróglio se inicia com a compra de uma área proporcionalmente grande – normalmente financiada pelo vendedor – na busca de expansão do negócio sem a devida retaguarda de capital próprio. Na sequência, ocorre perda de liquidez (diminuição do dinheiro disponível) devido aos compromissos assumidos, busca de mais financiamento para corrigir o aperto de caixa e complicações na gestão financeira. Com sorte, preços altos e boa produtividade absorvem essa situação e fica somente o susto. Mas, se neste ponto surgir algum imprevisto, como quebra de produtividade, queda de preços dos produtos ou subida da despesa financeira, a situação tende a tomar o rumo da insolvência.

O racional de finanças pessoais sobre ter uma reserva para emergências também se aplica aos negócios

A constante busca por produtividade e escala é o componente principal da estratégia mais acertada para quem atua com commodities (competitividade de custos). Mas o aumento na escala de produção também precisa estar sempre em equilíbrio com o acúmulo ou reserva de capital próprio para promover o crescimento e ainda assegurar a permanência de alguma reserva.

Como a maior parte do investimento de operações agrícolas está centrada na aquisição de terras e apenas uma fração disso em capital operacional, o produtor tende a ter garantias reais de sobra para a tomada de novos financiamentos. Isso pode levá-lo a um risco mais alto através do endividamento crescente, juros maiores e decisões de gestão focadas na preservação do caixa, ou seja, uma ciranda perniciosa.

Como os produtores normalmente usam sistema de livro caixa, sem produzir relatórios contábeis, nos quais se notaria o desequilíbrio entre usos e fontes de fundos, a percepção de que algo está errado demora a surgir. Disciplina e planejamento do ritmo de investimentos são primordiais para a manutenção da saúde financeira.

E aqui valem algumas recomendações. A primeira delas é que o total de endividamento – seja com bancos, fornecedores, trocas, adiantamentos ou com a compra de terras – não deve ultrapassar a receita anual. Já em caso de atividades de alta rotatividade e alta volatilidade, como hortifrútis, o total de dívidas não deve passar da metade da receita anual. Outro indicativo é que o total de endividamento não deve ser maior que quatro vezes o resultado operacional (igual a receitas do ano menos despesas de campo, de mecanização e de escritório).

Também é importante que o total de compromissos (custeio, fornecedores, prestações de máquinas, prestações de financiamentos e de terras) a vencer no ano seja um pouco menor que o valor dos haveres, como estoques, aplicações financeiras, recebíveis e o valor da safra no campo. Ou seja, os ativos de curto prazo devem ser maiores que os passivos de curto prazo.

E o racional de finanças pessoais sobre ter uma reserva para emergências também se aplica aos negócios. É fundamental manter o equivalente a três meses de despesas gerais (escritório, combustíveis, folha de pessoal, recolhimentos, oficina, por exemplo) em aplicações financeiras reservadas ou em estoque totalmente livres de compromissos. Por fim, a expansão de área anual não deve ser maior que 15% da receita.

A expansão dos negócios agrícolas se faz necessária, tanto para ganhos de escala como para manter market share, num mercado crescente. Porém, esse crescimento precisa ser feito com disciplina e adequação do fluxo de caixa. Seguindo essas recomendações, muito provavelmente o negócio será mantido dentro de uma zona de boa segurança e manterá sua resiliência diante das intempéries que se abatem ano após ano contra essa atividade tão essencial como a agricultura.

Antonio Carlos Ortiz é diretor de Produtores Rurais no Itaú BBA.
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